quinta-feira, 13 de abril de 2017

"Sim" ou "não" ao "Sultão" na Turquia

Itália e Reino Unido provaram em 2016 que os efeitos de um referendo vão muito além da consulta que é feita diretamente à população. Nos dois casos, a pergunta central era a aprovação ou não de uma série de reformas constitucionais, e a saída ou não da União Europeia, respectivamente. No entanto, a derrota de Matteo Renzi e David Cameron, que haviam proposto os referendos, causou ingovernabilidade e ambos foram obrigados a renunciar. Na Turquia, que Erdogan governa desde 2002 junto a seu AKP, não será diferente.

Os elementos centrais do referendo turco do próximo domingo, 16, dizem respeito ao aumento do poder do presidente, na prática eliminando a figura do primeiro-ministro, e a possibilidade da prorrogação do mandato, o que permitiria Erdogan permanecer no poder até 2029. O governo que propõe as mudanças argumenta que estas tornariam a governança turca mais sólida, já que não sujeitaria o executivo à instabilidade do parlamento. Além disso, o AKP afirma que o novo modelo dará mais independência ao legislativo, que poderia investigar o presidente. Ao lado do AKP estão os nacionalistas do MHP, desde a tentativa de golpe em julho de 2016 favoráveis ao governo.

Para grande parte da Turquia o voto no “sim” representa um voto em Erdogan e no AKP. Desde quando foi prefeito em Istambul na década de 90, o atual presidente se postou como alguém ligado aos mais pobres, e que atende aos anseios destes. Nas regiões menos favorecidas do país, o voto no AKP é visto como uma retribuição ao desenvolvimento levado pelo partido que tem em sua sigla uma referência ao desenvolvimento e justiça, e mesmo em uma consulta referente a termos de governabilidade, esta população não deve distinguir o voto de estradas e hospitais criados por Erdogan.

Na Anatólia, mais distante da Europa e que conta com importante apoio à islamização crescente no governo de Erdogan, o “sim” ganha com folga nas pesquisas. Nas últimas eleições legislativas, 87% da Anatólia Oriental votou no AKP. A principal oposição vem do Oeste da Turquia, banhado pelo mar Egeu e tradicionalmente mais voltado à Europa. Esta região conta com respaldo do CHP, partido dos kemalistas, responsáveis pela laicização do Estado Turco desde sua constituição em 1923. Ao CHP soma-se o HDP, sigla composta pelos curdos, grupo étnico que vem em constantes conflitos com Erdogan nos últimos anos, e que teve seu líder preso após a tentativa de golpe do ano passado.

Vantagem grande do "sim" na Anatólia


O governo de Erdogan deu uma guinada radical após a tentativa de golpe de 2016. Jornalistas e a imprensa como um todo passaram a ser perseguidos, com a Turquia ostentando o número de país com mais membros da profissão presos no mundo. Somam-se a estes professores, juízes, militares e funcionários públicos, que compõe o número de 41 mil presos em menos de um ano. As acusações são da relação destes com o gulenismo, movimento liderado pelo clérigo Fethullah Gulen, e que é responsabilizado pelo governo pela tentativa de golpe. Gulen nega as acusações, e suas ramificações, que vão de áreas como universidades a jornais, padecem na Turquia.

O cenário fez com que a Turquia passasse da pontuação de 53 em 2016 para 38 em 2017 no relatório Freedom House, que avalia de 0 a 100 as liberdades em cada país, a segunda maior queda no mundo. As restrições fizeram com que a Europa aumentasse suas críticas ao país, que é candidato desde 2004 a entrar na União Europeia. A tensão ficou ainda maior quando Holanda e Alemanha não permitiram que ministros do governo turco fizessem comícios a favor do “sim” em seus territórios, que contam com uma grande comunidade apta a votar no referendo. Em contrapartida Erdogan fez alusão às práticas nazistas, o que criou uma crise diplomática e afastou a Turquia do bloco.

As pesquisas demonstram um empate técnico no resultado do referendo. Em caso de derrota, Erdogan continuará no poder, e tem a possibilidade de dissolver o parlamento para buscar mais força e legitimidade. No entanto, desde a repressão a tentativa de golpe do ano passado a Turquia já não representa os ideais kemalistas e gulenistas. O país que no começo do século aparentava ser um modelo para os em desenvolvimento, assim como o Brasil, hoje caminha mais para uma ditadura como outras no Oriente Médio, ou mesmo para o modelo russo de Putin, que vem cada vez mais se aproximando de Erdogan.

Ainda assim, como nos casos citados no começo, um referendo nunca é só um referendo. A vitória do “não” pode colocar limites aos expurgos de Erdogan, e mostrar que a população não deve aceitar eternamente quaisquer abusos de seus políticos, em troca do que estes deram a esta, o que não é favor, e sim obrigação. O presidente que vem sendo chamado de “Sultão do Bósforo” teria assim uma aula de democracia, aceitando ou não. No relatório Freedom House, com seus 38 pontos, a Turquia ainda é considerada “parcialmente livre”. A vitória do “sim” pode mudar isto.

"Sim" ou "não" ao "Sultão"? FOTO: Chris McGrath / Getty Images

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