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terça-feira, 13 de junho de 2017

Na China, já é futuro

Há uma década, tema comum em muitas rodas de conversa era o crescimento chinês. A necessidade de se aprender mandarim, a língua do futuro (nesta época, já não mais conhecida como “chinês”), misturava-se às perspectivas de que logo a China tomaria o lugar dos EUA como a grande potência hegemônica mundial. Nos últimos meses, as expressões ganharam importantes fundos de verdade.

O mandarim dificilmente será uma língua universal. O idioma é falado por grande parte dos chineses, mas o país com quase um quarto da população mundial abriga uma série de outras línguas que contam com milhões de falantes. Além do mais, o francês no começo do século XX e o inglês pós Segunda Guerra Mundial tiveram importantes elementos difusores do chamado soft power. Traduzido como “poder brando”, o termo designa influências importantes exercidas por países, mas sem o emprego da força. No caso da França, a Belle Époque foi um grande difusor do seu idioma, assim como vastas obras culturais, enquanto os norte-americanos têm Hollywood, o que já é mais do que grande parte dos países. No caso chinês, mesmo quando a nação passar a ser a maior economia do mundo é complicado vislumbrar elementos que remetam ao complicado mandarim pelo resto do globo. Afinal de contas, mesmo os filmes de Jackie Chan eram feitos em Hollywood.

Mas em outras áreas, o poder chinês já chegou. A decisão do Panamá nesta semana de se aliar à China, em detrimento de sua aliança tradicional com Taiwan, foi um destes exemplos. Os panamenhos passaram a aceitar a política da Uma China, reconhecendo o governo de Taipei como parte do território chinês. Taiwan reclamou, e disse que os latinos estavam abandonando uma tradicional aliança por conta do poder de influência da segunda maior economia do mundo. E provavelmente estavam mesmo, já que a China corresponde hoje por um quinto dos produtos que passam pelo Canal do país, grande fonte de ingressos para este. E o que Taiwan pode fazer quanto a isso? Esta foi uma aplicação clara e manifesta do hard power.

Outros planos bem mais ousados expressam as ambições chinesas, e o maior deles é a chamada Nova Rota da Seda. O plano prevê investimentos de infraestrutura estimados na ordem de até US$ 1,3 trilhão de dólares, quase o PIB brasileiro, em 65 países. A intenção é interligar Europa, África, Oriente Médio e Ásia, de acordo com os interesses da China, que passaria a não depender, por exemplo, de rivais regionais como a Índia e a Rússia para escoar parte de sua produção. A ideia sofre com críticas de ambientalistas e de comunidades locais, que temem que o projeto, sem precedentes, não tome as devidas precauções.

Em contrapartida às críticas ambientais com suas investidas no exterior, a China toma vanguarda no desenvolvimento de energias limpas, reforçada após o anúncio de Donald Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris. A Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, a maior do mundo, é um dos empreendimentos que demonstram o potencial chinês para investir em fontes renováveis. O país tem a maior matriz hidrelétrica do mundo e é líder na produção de painéis solares.

Minhas referências nacionais e internacionais em tecnologia, Ronaldo Lemos e Thomas Friedman respectivamente, fizeram questão de em suas colunas na última semana de destacar a evolução chinesa nas formas de pagamento. Ambos relataram que, nas principais cidades do país, já é difícil encontrar transações que aceitam dinheiro, tendo este sido substituído por QR codes, que já descontam o valor diretamente na conta do cliente. O futuro já chegou à terra de Confúcio.

Em 2001, logo ao entrar na OMC, a China era responsável por 50% do PIB dos BRIC. Hoje este valor já corresponde a dois terços. A nação foi a única a cumprir as metas de crescimento esperadas dos quatro países em 2003, quando começou o auge das expectativas com os gigantes em desenvolvimento. Brasil e Rússia tiveram importantes recessões, em grande parte derivada da queda do preço das commodities. A Índia conseguiu diversificar sua economia e chegou a crescer mais que a China em 2016, mas fica aquém das reformas prometidas com a ascensão de Narendra Modi ao poder, em 2014.

A China evitou entrar intensamente em regiões de disputas complexas e tradicionais por influência, como o Oriente Médio, e estreitou seus laços com países diversos, perpassando do Sudão à Nicarágua. Membra permanente do Conselho de Segurança da ONU, portanto, com poder de veto, a postura pouco combativa dos chineses lhe deu a vantagem de não ter de se engajar firmemente em conflitos espinhosos como Síria e a Ucrânia, e ainda assim tem papel decisivo sobre estes, contando com uma importante margem para negociar de acordo com seus interesses.

No primeiro Fórum Econômico de Davos após a eleição de Trump, o presidente chinês, Xi Jinping, apresentou seu país como um defensor da globalização e do livre comércio, sinalizando a intenção de expandir sua influência. Um dos históricos conflitos entre China e EUA é pela prevalência no Pacífico, em especial no que Pequim considera como Mar da China Meridional. No ano passado, a Corte Internacional de Haia reconheceu um pedaço da região, pela qual passa uma parcela cada vez maior do PIB global, como parte das Filipinas, aliadas dos EUA de longa data.

Duterte, presidente eleito das Filipinas no ano passado, passou a limpo esta relação. Como uma das principais plataformas de campanha, o filipino adotou um discurso contra as drogas, que previa a execução de usuários e traficantes. Nos primeiros meses de mandato, o número de mortos chegou a 7 mil, direta e indiretamente, chamando a atenção de grupos de direitos humanos. As críticas de Obama levaram Duterte a xingar o presidente norte-americano, deixando a relação entre os dois países em um dos piores patamares históricos. A China observou silenciosa a situação, e recebeu de muito bom grado quando o filipino anunciou uma guinada na cooperação com Pequim, em um afastamento de Washington.

Deixar direitos humanos de lado em detrimento da influência geopolítica não é exclusividade da relação Pequim-Manila. No Sudão, a China tem como grande aliado o ditador Omar Al-Bashir, condenado por crimes contra a humanidade e frequentemente acusado de genocídio, mas responsável por vastos campos de petróleo. O futuro chegou. Mas como em Black Mirror, não precisa ser sinônimo de comemoração.
                                                       Autor desconhecido, mas valor inalterado 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Coreia do Norte: mais geopolítica do que pânico

A despeito do que é amplamente divulgado na imprensa, a principal questão da Física relacionada ao regime norte-coreano não é a nuclear, mas a “Lei da Inércia”. O atual status quo da complexa equação geopolítica na Coreia do Norte é favorável aos cinco principais atores envolvidos, e para isto, é vital a visão de que o regime é dominado por um lunático disposto a explodir o mundo a qualquer momento. Evidentemente, não é bem assim.

As fake news em relação ao regime norte-coreano são divulgadas há muito tempo, e com um potencial sem comparações, já que não há porta-vozes na comunidade internacional para defender o contraditório. Uma mentira é amplamente divulgada, o mundo acredita, e se por um acaso for falsa, há a sensação “ah, mas nada impede que fosse verdade”.

Alguns fatos: a Coreia do Norte possui embaixada no Brasil, retribuída com uma representação brasileira em Pyongyang. A capital norte-coreana vive um boom imobiliário, e bem nascidos no regime vão ampliando seu poder de compra. O principal destino de exportação da Coreia do Norte é a China, sua principal aliada, mas em segundo lugar vem a longínqua Argélia e em terceiro a Coreia do Sul, com quem, em tese, o norte continua em guerra, já que em 1953 apenas um armistício foi assinado. O país é membro da ONU.

As ameaças militares da Coreia do Norte são a maior justificativa para os EUA manterem cerca de 35 mil soldados na Península Coreana, região cada vez mais importante para o comércio global com o crescimento chinês. Com a onda recente de tensões, os norte-americanos estão instalando a estrutura antimísseis Thaat na Coreia do Sul, o que é criticado pela China, que teme um aumento do poder dos EUA na região. O Thaat é um dos principais assuntos da campanha eleitoral sul-coreana, antecipado por conta do impeachment da presidente conservadora Park Geun-Hye, favorável ao escudo. Na liderança das pesquisas para a eleição do próximo 9 de maio está um liberal, contrário ao Thaat, e seus adversários usam a ameaça do norte para criticá-lo.

A possibilidade de o Japão ser atacado é uma das poucas justificativas que o governo tem para um tom belicista. O país, que a exemplo da Alemanha adquiriu uma guinada pacifista após a derrota na Segunda Guerra, nos anos recentes sob o comando de Shinzo Abe vem sendo levado por um tom nacionalista, retomando algumas posturas históricas. Até a Segunda Guerra Mundial, o Japão ocupava a Península da Coreia e regiões da China.

Com o regime norte-coreano a China tem um importante contraponto em meio aos aliados norte-americanos no Pacífico. Fiel incondicionalmente aos chineses, a ditadura de Kim Jong-un serve como um tampão a quaisquer expansões dos EUA na região. Para a crescente economia chinesa, os subsídios dispendidos à pequena Coreia do Norte são mais em conta do que investiduras militares. Além do mais, um colapso da ditadura levaria milhões de refugiados a cruzarem a fronteira para o país que já é o mais populoso do mundo.

A Coreia do Norte quer ser um país com arsenais nucleares, e faz alusão às outras oito nações que possuem ogivas, que totalizam mais de 13 mil pelo mundo, para justificar as suas. Os EUA não reconhecem, fazem jogo duro e afirmam que somente a desistência de possuir armas nucleares pode levar ao fim das sanções, que castigam principalmente a população no interior. Por meio da filosofia “Juche” o governo controla seu povo para servir sua pátria contra a ameaça “imperialista” a todo custo. Os norte-coreanos acreditam durante toda vida estar a cargo do bem maior do “Rei Sol”, Kim Il-sung, avô do atual ditador, e que fundou a nação. Desta forma, todos os homens têm de servir ao exército, o quinto maior do mundo e, proporcionalmente, por sua população de cerca de 25 milhões de habitantes, a maior força armada global.

Kim Jong-un tem motivos para temer abandonar seu programa nuclear. Já no exercício do poder viu a OTAN invadir a Líbia para depor o ditador Muammar Khadafi, que sempre almejou armamentos nucleares, em 2011. Em 2003 viu os EUA invadirem sem o aval do Conselho de Segurança da ONU, ao qual a China tem poder de veto, o Iraque para dar fim à ditadura de Saddam Hussein. Não é impossível que Kim Jong-un aceite um acordo, bem mais difícil do que o alcançado com o Irã, para pôr fim a suas armas nucleares, mas será necessária muita diplomacia chinesa e concessões ao regime.

O ponto fora da curva neste momento é Trump. O inexperiente e midiático presidente é imprevisível, e pode, sim, colocar à prova esta verdadeira aula de pragmatismo geopolítico. À frente de seu Departamento de Estado está Rex Tillerson, mais contido, mas com pouca experiência diplomática. A expectativa pela prudência fica a cargo dos ex-militares, em especial o Secretário de Defesa, Jim Mattis, e o conselheiro de Segurança Nacional, general McMaster.

Qualquer passo em falso seria trágico. Um ataque preventivo dos EUA levaria a Coreia do Norte a atacar o sul, com potencial de atingir Seul, a apenas 50  km da fronteira, no que pode ser a maior tragédia da história, na cidade com cerca de 10 milhões de habitantes. O regime norte-coreano não é suicida. Sobrevive no poder há 69 anos, se manteve após o fim da URSS, o que levou o país a uma das maiores fomes coletivas na história recente, quando inclusive teve de contar com ajuda da comunidade internacional. Perpassou pelas mudanças chinesas, país maoísta a principio, mas que gradualmente se integrou ao capital global com as reformas de Deng Xiaoping e a adesão à OMC. E do outro lado, Trump, que balança com 100 dias de mandato.

Palpitaço
Até aqui, análise. Mas neste caso acho justo não me eximir, e tentar traçar os possíveis panoramas. Em curto prazo, a situação deve aumentar em tensões, com um tom mais beligerante dos dois lados e cercado de ameaças. Mais sanções ao regime serão impostas pela ONU, mas sem grande impacto. Em médio, é possível que a Coreia do Norte tenha êxito em seu sexto teste nuclear, obrigando os EUA a uma reação mais significativa. Nada muito sério deve ocorrer, mas será preciso intensa diplomacia chinesa. Em longo, não acredito que o regime resista. Em um mundo extremamente conectado, cada vez menos norte-coreanos estarão dispostos a passar fome para manter uma ditadura com propósitos ultrapassados, enquanto a alguns quilômetros ao sul tem a sua disposição os benefícios da pujante economia sul-coreana. Não me arrisco além.

Boa parte do comércio global hoje passa por esta região

Obs: Para o mínimo de entendimento com isenção sobre a Coreia do Norte, o documentário “The Propaganda Game” é necessário. O filme perpassa o país sem juízo de valor. Tem no Netflix.