A
autoria da máxima “os fins justificam os meios” por Nicolau Maquiavel é
questionada ao longo dos anos, no entanto que as ideias do autor de “O Príncipe”
indicam que o resultado final deve ficar acima da moral com que ele foi
alcançado é inegável. E em tempos de crise, a sociedade brasileira dá mostras que
os pensamentos do antigo filósofo vigoram como leis que regem até hoje.
Sendo ou
não ainda, “o país do futebol”, o esporte continua como uma grande mostra social
do Brasil. Portanto, é sintomático um jogador da equipe de maior torcida do
país, após vencer um campeonato com um gol irregular, declarar em entrevista que
“roubado é mais gostoso”, pensamento compartilhado por milhões de pessoas sobre
o ocorrido. Este episódio aconteceu na final do Campeonato Carioca, na mesma
cidade em que seu outro símbolo, o Carnaval, foi vítima de polêmicas quanto às
origens do financiamento da campeã Beija-Flor no ano de 2015. A resposta do
principal membro da escola, Neguinho da Beija-Flor foi a de que a contravenção
deveria receber agradecimentos. A participação de criminosos relacionados com o "jogo do bicho" na
realização do Carnaval Carioca é de conhecimento comum, e muitos a defendem por
uma “festa mais bonita”. No caso de 2015, a situação envolvia dinheiro oriundo
de uma ditadura africana pouco conhecida no Brasil e o endossamento do regime
por parte da escola de samba, o que foi esquecido pouco tempo depois.
Ainda
sobre desconhecimento e ditaduras, recentemente foi publicada na revista “Época”
uma reportagem sobre o uso de gás lacrimogênio brasileiro de forma letal, na
repressão de protestos no regime do Bahrein. A matéria abordava inclusive a
morte de um bebê por conta da utilização, além de demonstrar o descaso do
fabricante quanto ao destino final de seu produto. A história que pode
surpreender muitos causa ainda mais espanto com o grande número de comentários, que questionavam até a ocupação do autor da matéria. Muitos defendiam o
fabricante, que “pelo menos estaria gerando emprego”.
E o
descaso com a moral e a ética por trás dos objetivos alcançados só tende a
aumentar na medida em que o sucesso destes seja mais relevante na vida do
brasileiro. Pela manutenção de uma relativa estabilidade social, o clichê de
que “bandido bom é bandido morto” ecoa por ruas e programas sensacionalistas
quando o assunto abordado é a violência urbana. O resultado é uma sociedade que
endossa publicamente uma polícia que é criticada no âmbito internacional por
conta do alto número de execuções. Além disso, há o absurdo de analisar uma
ação policial com X mortos, sendo X-3 “bandidos” sem julgamento, como um
sucesso que infelizmente deixou “algumas vítimas”. O ciclo interminável de
violência, com aval social, deixa o Brasil com cerca de 60 mil assassinatos por
ano e 32 cidades entre as 50 com maior taxa de homicídio no mundo.
Na
política, alguns defensores do atual governo apresentam contra as denúncias e
condenações por corrupção os “avanços sociais” conquistados nos últimos anos. Além
do fato surreal de contra argumentar crimes por conta das melhorias trazidas
por eles à sociedade, algo que poderia, por exemplo, inocentar Pablo Escobar e “Chapo”
Guzmán, há uma completa falta de questionamento sobre com base em quê foram
conquistados estes avanços. A lista de abordagens que podem ser tomadas é
imensa, mas ainda sobre armas no Oriente Médio: o Brasil é o quarto maior
exportador de armas de pequeno e médio porte do mundo, e boa parte dessa
expansão da indústria bélica ocorreu nos últimos governos. Sem praticamente
conhecimento nenhum pela população, o Brasil aumentou quase 200% no último ano
a venda de armas para a Arábia Saudita. Boa parte delas é usada na Guerra do
Iêmen, iniciada ano passado e que matou milhares de civis. Nosso país exporta
inclusive munições recriminadas internacionalmente.
As duas
maiores empresas brasileiras privadas, em lucro, são a Vale e a JBS.
Mineradoras, agronegócio e alto lucro não costumam ser propriamente grandes
parceiros das questões ambientais. Apesar de algumas reduções nos índices de
desmatamento, a destruição de biomas brasileiros teve um nível bastante
acelerado durante os últimos anos por conta principalmente da expansão do
cultivo de soja e da pecuária. Por outro lado, o dano ambiental que a
mineração traz em longo prazo para rios e solos é difícil de ser calculado, por
ser enorme. O completo desastre de Mariana e suas condenações falam
por si só. Mas não é de admirar o descaso ambiental por parte de um governo que
teve a frase “o Brasil não pode ficar a serviço de uma perereca” como uma das
mais marcantes sobre o meio ambiente.
E quais
são as reais intenções e atribuições morais daqueles encarregados por julgarem
os escândalos do último governo? O principal juiz é idolatrado no país dos maquiavélicos, e deixa claro em um artigo escrito sobre a “Operação Mãos Limpas” na Itália a
importância do Judiciário estar associado aos meios de comunicação e a opinião
pública para condenar um esquema de corrupção como a Lava Jato. Isso no Brasil, país no qual a maior rede de comunicação é acusada sistematicamente de ter
manipulado um debate presidencial que levou a derrota do ex-presidente
investigado, além de a revista de maior circulação no país ser, de forma clara,
contrária ao governo.
Não é
nenhuma surpresa a opinião pública brasileira se colocar ao lado das
investigações que vazaram grampos telefônicos na imprensa. No entanto, o que
deve ser questionado de maneira imparcial é a validade deste ato, já que a
justiça em um sistema pleno de direito como o brasileiro deve levar em conta
mais que o clamor popular, ou provavelmente estaria aplicando a pena de morte.
É
gravíssima a divulgação das escutas telefônicas de um chefe de estado, sendo
que esta pode claramente interferir em interesses nacionais. E sendo “petralha”,
“coxinha” ou qualquer denominação que a insanidade da atual situação possa
gerar, é cabível sim a indagação sobre o que ocorreria se o mesmo fosse feito
nos EUA.
É imoral condenar de maneira seletiva os acusados de corrupção. Se o
resultado final for “colocar os bandido na cadeia” como praticamente todos
queremos, este fica bastante comprometido caso tenha havido interesses
políticos e partidários durante as condenações, além de permitir que criminosos fiquem impunes.
Em
nenhum lugar do mundo nasce uma classe diferente de seres humanos chamada “políticos”
ou “eles”. As lideranças surgem, e refletem de maneira bastante precisa a
sociedade que representam. E como é repetido incessantemente que o Brasil vive
uma “crise de representação”, esta é uma grande oportunidade para questionar se
são somente os governantes que não se importam com os meios pelos quais
conseguiram suas posições, ou se “nós” teríamos tanta moral para não
distribuirmos alguns ministérios para seguir no comando.
Cada vez
mais no mundo há uma diferenciação entre “preço” e “custo”. O “preço” seria
aquele aparente ao consumidor final, já o “custo” adiciona tudo aquilo
demandado no processo. Ver somente os resultados exclui muitos valores fundamentais,
já que um país ético, moralizado, justo, e com desenvolvimento sustentável
custa muito caro.
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