“O fim
estava chegando. Se Hillary tivesse sido eleita, teria acontecido em um período
mais longo, de forma mais suave. Mas com a chegada de Trump, o fim da pax
americana é agora. Lamento dizer isso, mas também facilita o surgimento de
guerras.”, afirmou o presidente da agência de classificação de risco político
Eurasia, Ian Bremmer, no programa Milênio da Globo News no começo deste ano.
Em pouco
mais de quatro meses de mandato, Trump colocou os EUA em risco de um confronto
direto com a Rússia na Síria. Aumentou as tensões com a Coreia do Norte, e
pagou para ver até onde o regime seria capaz de ir. Criou alarme na China com
sua política agressiva ao país, instando o temor de um conflito no Mar da China
Meridional. Tensões que já existiam, mas que foram aumentadas exponencialmente
pela postura do presidente.
Outra
tensão hoje é a chamada Guerra Fria do Oriente Médio. No dito equilíbrio
vestfáliano, base para as formações dos atuais estados nacionais, a disputa por
influência por potências crescentes na região em determinado momento acabaria
por desencadear em confrontos. Irã e Arábia Saudita, em um jogo de soma zero,
no qual um dos dois necessariamente deve perder espaço para o outro ganhar, vêm
travando uma série de conflitos por procuração na região. No meio das duas
grandes potencias, o Catar vinha cada vez aumentando sua influência, em um meio
termo entre ambos os lados.
O Catar
é aliado do Irã, mas sedia a principal base área dos EUA no Oriente Médio. O
país faz parte do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que reúne os
principais aliados árabes dos norte-americanos, enquanto apoia o Hamas, grupo
considerado terrorista pelos EUA. O Catar abrigou o líder do grupo Khaled
Meshal, enquanto o Irã havia se afastado dos islamistas por conta destes terem
traído o governo de Bashar Al-Assad, apoiando milícias sunitas na luta contra o
ditador, grande aliado de Teerã. O Catar, assim como os países do CCG também
apoiou milícias para a derrubada de Assad. É possível traçar dois eixos,
sobretudo liderados por Irã e Arábia Saudita, enquanto o Catar fica no meio do
caminho. Uma hora não iria acabar bem.
Fácil de entender não é, mas vai uma ajuda
Enquanto
se equilibrava entre as principais potências, os catarianos expandiam sua influência.
De universidades a companhias áreas, o Catar passou a ser uma marca global. No
Ocidente a história culminou com a escolha da nação para ser sede da Copa do
Mundo de 2022, a primeira em um país de maioria muçulmana. Já entre os árabes,
a força dos catarianos é evidenciada pela rede de comunicação Al Jazeera. O grupo é muito influente,
tendo sido um dos catalisadores dos protestos durante a Primavera Árabe.
Em uma
política como a de Obama, era possível que os impasses durassem até mesmo décadas
antes de algum país tomar uma decisão mais radical. Afinal de contas, uma
escalada das tensões pode causar danos, sobretudo econômicos, a todos os
envolvidos, o que já ficou latente com a queda nas bolsas de países árabes
nesta segunda. Obama tentou uma aproximação com o Irã, obtendo como grande
êxito o Acordo Nuclear. A postura não agradou os sauditas. Em contrapartida o
democrata não escolheu um lado em detrimento do outro, e, com pragmatismo,
seguiu obrigações históricas da relação entre sauditas e norte-americanos.
Obama não questionou de maneira efusiva as violações de direitos humanos no país,
e recuou ao tentar cobrar os sauditas por conta da relação destes com o 11 de
setembro, ataque no qual 15 dos 19 terroristas tinham origem no país.
Já Trump
logo em sua primeira viagem traçou que o Irã seria seu inimigo no Oriente
Médio, nação da qual já havia tentado barrar seus cidadãos de entrarem nos EUA
por duas vezes. Acusou o país de patrocinar o terrorismo, e reforçou os laços
com os sauditas, que haviam se desgastado com Obama. Acertou a venda de US$ 110
bilhões em armamentos que devem ter como destino conflitos na região, ou o
aumento do poder de dissuasão saudita. A outro aliado, o ditador do Egito,
Abdel Fatah Al-Sisi, reafirmou apoio.
Sisi tem
como grande inimigo interno a Irmandade Muçulmana, a quem considera terrorista.
A entidade islamista tem seguidores em praticamente toda a população muçulmana
sunita. A Irmandade foi a única agremiação a vencer uma eleição democrática na
história do Egito moderno, com Mohamed Morsi em 2012. Morsi foi condenado à
morte, assim como outros líderes relevantes do grupo, por conta das acusações
de terrorismo, apesar de não ter sua sentença cumprida. Por conta da boa
relação com Sisi, Trump já demonstrou interesse em colocar a Irmandade na lista
de grupos terroristas dos EUA, ao lado da Al Qaeda e do Daesh. Irã e Catar são
dois grandes aliados da Irmandade Muçulmana.
A
postura de Trump é a principal justificativa para os cortes das relações por
cinco países árabes com o Catar nesta segunda-feira. A pequena nação, que
depende em cerca de 90% de seus alimentos de importações, destas 40% oriundas
da Arábia Saudita, sua única fronteira terrestre, ficou encurralada com a
decisão de Bahrein, Egito, Iêmen, Emirados Árabes Unidos e dos próprios
sauditas. Estimulados pelo tom belicista do presidente dos EUA, estas nações
tomam uma atitude que coloca ainda mais combustível no já inflamado Oriente
Médio.
As
consequências de mais tensões nesta região são imprevisíveis. É improvável que
o Catar entre em confronto militar direto com algum dos países que cortaram
suas relações com este. Mas não é possível afirmar que o Irã, agora ameaçado,
não tentará atacar em outros terrenos. Além de Síria, Iraque e Iêmen, conflitos
já deflagrados em grande parte pelo envolvimento iraniano, outro país pode ser
alvo de importantes tensões. O Bahrein, que vem enfrentando protestos desde a
Primavera Árabe da maioria xiita, pode ter a ditadura sunita dos Al-Khalifa
contestada a qualquer momento. Trump não tem culpa pelos barris de pólvora
mundo a fora. Mas indica não ter medo de acender nenhum fósforo.
Em termos gerais, divide-se assim
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