Desde
que Donald Trump anunciou, em 2015, que concorreria à presidência o candidato
virou o centro das atenções. A cada vez que sua candidatura parecia mais
surreal, seja insultando mexicanos, propondo o banimento de muçulmanos dos EUA,
ou ofendendo mulheres, grande parte da mídia e os analistas reagiam em
contrapartida, no sentido de conter o chamado “bufão fascista”. O fato é que
durante as primárias republicanas a estratégia da imprensa falhou, já que Trump
derrotou favoritos como Jeb Bush e Marco Rubio, e por fim fez com que o
extremista Ted Cruz parecesse uma alternativa viável para frear o fenômeno
grotesco. Para deixar claro, já que este parágrafo resume quase um ano de
intensas movimentações, Cruz é parte do Tea Party, a ala mais radical dos
republicanos e nunca foi, de fato, alguém moderado, caso de John Kasich, a
melhor opção que o partido tinha nas primárias.
A
questão é que a cada editorial criticando Trump, assim como a cada político de
relevância que se posicionava contra o candidato, sendo o sensato Kasich um dos
primeiros a fazê-lo dentro do partido republicano, uma parcela nada desprezível
deste fenômeno ficava de lado, seus apoiadores. Sempre que o bilionário parecia
mais grotesco, as análises faziam com que seus eleitores também parecessem, e
logo estes passaram a ser insultados quase da mesma forma com que Trump faz com
aqueles que não o apoiam.
O perfil
é tradicional: o homem branco, com pouca educação, interiorano, e que foi
atropelado pelo fenômeno da globalização, não conseguindo se estabelecer na
nova ordem mundial. Além disso, ele sente seus privilégios ameaçados por
minorias que teoricamente tomariam seus empregos e direitos.
O discurso de
Trump, dito “politicamente incorreto” contra “tudo o que está ai”, aliado a
xenofobia que promete trazer de volta estes empregos para os EUA, “making
America great again”, como diz seu slogan, é uma espécie de musica nos ouvidos destes atrasados
provincianos que não pegaram o bonde da história. Esta é uma síntese de boa
parte das explicações do fenômeno Trump. O que se suprime é como estes “atrasados”
se sentem quando são chamados assim.
Alguns
analistas chegaram ao ponto de classificar esta parcela nada irrelevante da
população norte-americana de “white trash”, que realmente tem o mesmo teor de
se chamar alguém de lixo branco no Brasil. Mesmo que menos pejorativos, os
veículos de comunicação passaram a tratar os eleitores de Trump de maneira
parecida, como se fossem uma parcela indesejável do país. Ninguém gosta de ser
marginalizado, e quando isto se dá com pessoas que se sentem cada vez mais excluídas
e frustradas, o efeito pode ser catastrófico.
Trump
não é um imbecil, mesmo que seja difícil acreditar nisso. Quando disse
publicamente que poderia atirar em alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e
que mesmo assim não perderia votos, sabia que tinha alguma razão naquilo. O
motivo pelo qual grande parte dos cerca de 40% dos EUA, segundo as últimas
pesquisas, votarão em Trump não é pelo que ele é nem pelo que diz, e sim por
ele não ser Hillary Clinton, o que foi indicado pelo Pew Research com 33% dos argumentos. Quando o bilionário tomou plena consciência disso,
a campanha passou a cair ladeira abaixo, se assemelhando a disputas entre
garotos de quarta série.
E foi
neste cenário que Hillary Clinton cometeu seu grande erro na campanha até aqui.
Em um discurso a candidata indicou que “você pode colocar metade dos
simpatizantes de Trump no que eu chamo de cesta dos deploráveis”. Ou seja,
disse acreditar que cerca de 20% das pessoas que ela provavelmente vai liderar
a partir de 2017 são deploráveis. A expressão é gravíssima, e torna quase impossível que estes eleitores que não confiam nela passem a fazê-lo, o que é
fundamental para a democracia norte-americana no sentido de rechaçar demagogias
e populismos, e que se evite mais um “contra tudo o que está ai”. Ainda mais
que o próximo pode não ser tão nefasto como Trump, ou ainda pior, em um cenário
que se deteriore tanto nestes quatro anos: um bufão pior que o bilionário assumindo a Casa Branca.
Assim
como no caso do Brexit, a mídia tem papel fundamental no sentido de amenizar os
ressentimentos. A votação britânica mostrou que difamar um eleitorado frustrado
por conta de suas opiniões não é a melhor estratégia de uma imprensa
normalmente vista por estes como parte da causa de seus problemas.
Quem
rechaça Trump seguirá rechaçando Trump, agora o que nenhum país precisa é de uma
presidente considerando 20% do eleitorado como deplorável, ou que analistas
chamem estas pessoas de “white trash”. É possível e justificado fazer um texto
criticando cada um dos aspectos demonstrados por Trump durante a campanha, mas
é realmente necessário neste momento? E o principal, subjugar uma parcela da
população frustrada é realmente uma boa estratégia? A votação pelo Brexit
provou que não para as duas perguntas.
Valendo-me
de uma expressão que vem sendo utilizada sobre Trump, o candidato é “pós-moderno”
nos seus conceitos de verdade. Clinton pode ser mentirosa, mas a campanha do
bilionário se dissipa de qualquer conceito de realidade. Em um dos poucos
artigos críticos à cobertura da mídia sobre as eleições, a The Economist questionou um dos protagonistas jornalísticos nesta
campanha, o fact-checking. A revista indicou que, depois de tudo o que Trump já
disse verificar a veracidade de seus discursos não parece nada mais do que
arrogância para muitos de seus eleitores. Em uma campanha que tamanho do pênis
e acusações de abusos sexuais foram mais relevantes do que os planos para a nação
mais importante do mundo, nada surpreende que a verdade apareça para muitos
como mero detalhe arrogante. As análises da mídia também.
Motivo? Ele não é Clinton
Motivo? Ele não é Clinton