quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Obrigado contravenção

"Se hoje temos o maior espetáculo audiovisual do planeta, agradeça à contravenção." É isso que declarou em entrevista o campeão do carnaval, Neguinho da Beija-Flor. Todo mundo sabe que o título pra mim tem a mesma importância de um estudo que define se ratos são destros ou canhotos, mas a polêmica desse ano não pode ser ignorada.
Futebol e carnaval queiram ou não, são as grandes expressões culturais do Brasil no mundo. A festa ganhou o destaque de sempre, mas desta vez com um agravante: foi financiada pela ditadura que é a mais corrupta do planeta, segundo relatórios da CIA.
O presidente da Guiné Equatorial é aquele ditador clássico africano: com uma fortuna inimaginável declarada na Forbes, e uma maior ainda sem ser investigada. Acusado de lavagem de dinheiro, repressão, tortura, assassinato de opositores, procurado no mundo inteiro e outros desvios. E mais, financiador do carnaval no Brasil.
Vi alguns dizendo: qual é a importância de um resultado do desfile das escolas de samba, que há anos é sabidamente palco de lavagem de dinheiro para bicheiros, construtores mal intencionas, e todos os outros tipos de bandidos, em meio ao maior escândalo de corrupção da nossa história? Pra mim a relação é clara.
Vamos falar da outra expressão cultural: o futebol brasileiro é administrando por uma das confederações mais corruptas do mundo, com indícios de venda de jogos de maneira ilegal, venda de votos de maneira ilegal, venda de licenças trabalhistas de maneira, pasme ilegal, e de tudo mais que o futebol pode render dinheiro de maneira ilícita.
A soma das dividas dos clubes brasileiros ultrapassa o PIB de mais de 30 países e não há indícios de que ela será quitada da maneira devida tão cedo. Até agora só falei o que é sabido de qualquer um, e temos questões como o “Campeonato Brasileiro de 2005” que se um dia vier à tona, provavelmente aquele clichê de que ficaríamos enojados, seria a única reação.
O maior escândalo da nossa história é mais relevante do que problemas nos nossos dois “circos”? Claro. A questão é que um povo precisa de sua cultura. E quando suas duas maiores manifestações são absolutamente corrompidas e indignas de confiança, acreditar na capacidade de mobilização fica cada vez mais complicado.
Enquanto com o objetivo de ser campeão do carnaval for normal aceitar dinheiro de milicianos, ditadores e seja lá de quem mais for, como não será normal aceitar os lobbys das empreiteiras para se fazer política? Na medida em que se endividar com os cofres públicos, sem perspectivas de pagamento para montar times campeões for aceitável, como reclamar de trocas de cargo entre os governantes para alcançarem seus objetivos?
A ideia de que “vale tudo” está dentro das mais importantes bases da nossa sociedade. E dificilmente vai ser um diretor de empresa ou um político que passou a vida toda aceitando qualquer meio para vencer que vai mudar isso. O importante não é questionar o título de quem quer que seja. O vital para o futuro do Brasil é mostrar para nos mesmos e para o mundo que Petrobrás e carnaval a parte, Charles de Gaulle estava errado e que somos sim um país muito sério. E se reconhecer os problemas no carnaval for o meio para começar isso, muito obrigado contravenção.


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