segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Com um Trump, sem meias palavras

O que representa, de verdade, um aumento médio de 2 graus na temperatura global? Não sei, e, na prática, ninguém sabe. O que muda nas nossas vidas com o aumento de 50 cm no nível dos oceanos? Tampouco faço ideia. A única resposta que temos a estas questões são projeções, que são apenas projetos de possibilidades que podem, ou não, acontecer. Muita gente se dá bem com o risco, e paga para ver. Mas, para as mudanças climáticas, acabou o tempo para falarmos de 2030, 2050, 2100. Temos que falar de 2016, o ano mais quente da história, batendo o recorde do ano anterior, e sucedido pelo que provavelmente lhe tomará o posto.

Pensei em falar sobre o clima citando a eleição de Trump e suas escolhas de Scott Pruitt para a E.P.A. e Rex Tillerson para secretário de Estado, todas desastrosas no âmbito ambiental. Citaria também Blairo Maggi, nosso ministro da agricultura. Para não criar uma tonalidade apocalíptica sobre 2016, queria trazer alguma história positiva para o meio-ambiente, dando esperança. Mas com Trump, tudo muda.

Cheguei a esta conclusão depois de ler o relato de uma mãe em Madagascar, que desesperada, fica sabendo que há um homem (do qual ela nunca ouviu falar), que lidera um país, (que ela tampouco conhece), e que pode ajudar seus filhos. A família praticamente não consegue comer e nem beber, em virtude da crise de alimentos gerada pelo fenômeno El Niño, que altera a temperatura das águas no Pacífico, e que em 2016 causou graves transtornos no Sudeste Africano. O homem é Trump, presidente eleito dos EUA, a quem o autor endereça o relato, e que pode, sim, transformar esta situação.

Em 2014, analistas estudaram 28 desastres ambientais, constatando que metade deles foi causada por alguma alteração do homem. O mais recente El Niño foi um dos mais fortes de todos os tempos, trazendo inundações, tornados e outros transtornos mais fortes no Pacífico, além de alterar o clima global como um todo, o que é visto nas secas enfrentadas na África Oriental. O Haiti é um bom exemplo de como o fenômeno pode ser destruidor, tendo passado por secas por conta deste recentemente, e pelo furacão Matthew em 2016.

Até o momento, é verdade que os países ricos e grandes responsáveis pelas emissões sofram menos que os pobres por conta das alterações no clima. Mas é difícil prever uma estabilidade diante de alterações nunca imaginadas. Por certo tempo, os norte-americanos ficaram aflitos com a possibilidade do furacão Matthew chegar à Costa Leste, no que cogitou-se ser um fenômeno mais destruidor que o Katrina, que arrasou New Orleans em 2005.

Outro ponto que certamente afetará os países mais ricos é a migração, inclusive com refugiados. O colunista Thomas Friedman vem alertando que em áreas de desertificação, o número de conflitos armados tende a aumentar exponencialmente, somando ainda mais aos cerca de 60 milhões de refugiados no mundo. Se a Europa não conseguiu lidar com a crise gerada pela Guerra da Síria, quem dirá com todo o Norte Africano disposto a atravessar o Mediterrâneo.

Os problemas e as vítimas já são muito reais para o homem mais poderoso do mundo lidar com as mudanças climáticas como mero exercício de fé. Há algum tempo esta deixou de ser uma questão com a qual nossos filhos e netos “talvez tenham de lidar”, para ser algo real e prioritário. A China, a quem o presidente eleito chegou a culpar por ter inventado as mudanças climáticas, já se alarmou sobre o problema, afinal de contas, não tem como fazer vista grossa quando se tem camadas enormes de poluição impedindo olhar a poucos metros de distância.

Com Trump, o homem que governa pelo Twitter antes mesmo de ser empossado, não há espaço para projeções e longos relatórios. É verdade que países inteiros podem desaparecer se nada for feito, milhares de espécies podem ser extintas com repercussões imprevisíveis, assim como as catástrofes criadas pela mudança nos regimes climáticos. Mas como vimos na eleição, para ele a verdade não basta. Ainda assim, se milhares de mães desesperadas com seus filhos passando fome não servirem, podemos ter votado em nosso próprio meteoro.

                   "Arpocalipse" convenceu os chineses/ FOTO: (Jason Lee/Reuters/VEJA)

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