Em meio às repercussões das polêmicas entorno do Ministro da Educação Ricardo
Vélez Rodriguez, com frequência a utilização do termo “estrangeiro”, ou algo
semelhante a “colombiano que veio falar mal do Brasil”, foi ignorada. É fato
que no caso referente à carta do hino nacional, e em outros, a postura do notável
polemista deve ser discutida, mas utilizar o local de nascimento do mesmo para desqualifica-lo
é uma canalhice, que infelizmente é comum.
Henry
Kissinger e Madeleine Albiright são dois dos mais notórios secretários de
Estado norte-americanos da segunda metade do século XX. Ambos fugiram do
nazismo, refugiaram-se nos Estados Unidos, e construíram carreiras notórias
dentro das relações internacionais. Kissinger é um dos grandes estrategistas
externos do partido republicano, mas conta com amplo respeito na área
internacional de todos os lados. Albiright serviu aos democratas no governo de Bill Clinton, e foi aprovada no Senado por unanimidade para seu cargo. Ambos, de origem judaica,
eram acusados por antissemitas de colocarem suas raízes ashkenazis do centro da
Europa acima dos interesses norte-americanos, em uma incapacidade de críticos para questionarem seus feitos.
Com uma
porcentagem da população de origem estrangeira relativamente pequena, em relação
ao resto do mundo, é possível contemporizar reações extremistas no Brasil. Estas questionaram a validade de alguém que nasceu fora do país ocupar o cargo de
ministro, e mesmo cogitaram a expulsão de Vélez Rodriguez. No entanto, casos
como os citados dos secretários de Estado norte-americanos, ou Ahmed Hussen,
refugiado somali nomeado ministro da Imigração por Justin Trudeau, são
comuns mundo afora, e com frequência notabilizam-se por serem grandes histórias.
Há alguns
cargos que exigem desde a nascença no país à cidadania desde a origem. Por
exemplo, no caso da Presidência de República de Portugal, o ocupante do cargo
tem de ter sido desde sempre português, o que não necessariamente designa
aquele que nasceu em território lusitano, já que a cidadania ali é definida por
consanguinidade. Na prática, filhos de pais portugueses são os aptos ao cargo.
Já a posição na Assembleia da República pode ser ocupada por aqueles que
adquirem a cidadania no decorrer da vida, e mesmo por brasileiros residentes com direitos equiparados. Portugal é só um exemplo, e há
constantes variações sobre o tema no mundo. O que costuma ser universal é a
canalhice de quem se esconde atrás da pátria para atacar adversários.
Vélez
Rodriguez poderia ser um dos 6 milhões de deslocados por conta do conflito na
Colômbia contra as FARC. É possível que tenha fugido do país por conta da
violência, cada vez mais conhecida e vulgarizada por séries de TV, ocorrida no território
nas últimas décadas do último século. Ou pode ter simplesmente preferido morar
no Brasil. O importante, hoje, é que desde 1997 o atual ministro da Educação é
cidadão brasileiro.
No futebol,
a canalhice disfarçada de patriotismo costuma ser mais escancarada. Na Copa da
Rússia, viralizou um
texto de Romelu Lukaku em que ficou claro que o belga tinha sua
nacionalidade questionada de acordo com a circunstância e a conveniência. Note-se
que o atacante sequer nasceu na R.D. Congo, sendo esta a origem de seus pais.
No caso étnico, à exemplo de Albiright e Kissinger, a situação fica ainda mais
complicada, e além de judeus, há o caso de ciganos, como o português Ricardo
Quaresma, que pode ser chamado de “rei da trivela” ou “aquele cigano de m...”
dependendo do resultado da partida.
Em excelente
coluna, Contardo Calligaris trouxe a definição de “patriotice”, a mistura
de patriotismo, este sozinho nada negativo, e canalhice. E fez a ótima
definição do que o pertencimentos a grupos oferece: “São os grupos que nos
autorizam a sermos os canalhas que, sozinhos, nós não nos autorizaríamos ser. A
pátria é um desses grupos possíveis.” Ou nas palavras de J.L. Borges, a
mistura entre nacionalismo intransigente e patriotismo é negativa por sua
incapacidade de dialogar: “O nacionalismo só permite afirmações e, toda
doutrina que descarte a dúvida, a negação, é uma forma de fanatismo e
estupidez.”.
Existem
inúmeras críticas passíveis de serem feitas ao atual governo, inclusive em
termos de utilizar “patriotice”, como trouxe Calligaris, sem desqualificar o
interlocutor, sobretudo sua origem. Sinceramente, espero que possamos entender
isto antes de o primeiro boliviano ou haitiano que estrear pela seleção
brasileira perder uma bola, e termos de ouvir alguém gritar um "volta pra casa!".
Dica: Série “Cães de Berlim” no Netflix. Quem receia de produções europeias pois as acham
monótonas, não precisa temer com a produção alemã. Assassinato de jogador
turco-alemão na véspera de uma partida entre ambos os países desencadeia “patriotices”
étnicas. Não dá para não pensar no que ocorreu com Mesut Özil após a
última Copa.
Vélez Rodriguez, naturalizado e cidadão brasileiro de 1997. FOTO: (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
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