Depende. O acordo em Munique foi feito com uma
participação muito pequena da oposição síria, determinando termos muito vagos e
evidentemente sem os importantíssimos elementos terroristas, a Al Nusra (Al
Qaeda na Síria) e o Daesh (Estado Islâmico). O acerto foi o “fim das
hostilidades”, algo muito menos específico do que um cessar-fogo e o principal:
definições para a chegada de ajuda humanitária em áreas ocupadas por rebeldes e
cercadas pelo regime.
A primeira parte, apesar de parecer muito importante, não é tanto. No mesmo dia em que o resultado das negociações foi anunciado, Assad,
de longe o maior causador de mortes no país, deu uma entrevista à agência AFP
em que reafirmou o compromisso de recuperar todo o território e que isso
poderia custar muito por vários anos. Por outro lado, a oposição mais moderada
que concordou com a diminuição das hostilidades hoje é muito enfraquecida, esfacelada
entre as mais de 1000 milícias que lutam na Síria e que cada vez perde mais
força para os grupos extremistas, tendo a Al Nusra junta a uma grande parcela
destas.
Os ataques aéreos russos iniciados no fim de
setembro fortaleceram muito o regime, sendo parte importante das ações de
retomada de Assad, que agindo por terra com seus aliados conseguiu dar uma
guinada a seu favor na guerra. O outro evento que favoreceu o ditador foram os
ataques em Paris no 13 de novembro, quando o Ocidente, em parte de maneira mais
explícita e outra menos, passou a aceitar o presidente como uma espécie de mal
menor, frente aos bárbaros terroristas. Em uma boa analogia com a Segunda Guerra,
Assad passou a figurar como um aliado pontual e sanguinário como Stálin, mas
contra genocidas como os nazistas e o Daesh.
O fortalecimento do regime levou ao enfraquecimento
dos resquícios de uma oposição moderada, hoje em extinção na Síria. Aqueles
contrários ao regime passaram então a serem mais extremistas, com uma parte
importante aderindo a Al Nusra, outra menor ao Daesh, e com grupos
radicalizando suas ações. Por isso a resolução deve ser vista com desconfiança:
por um lado quem aceitou hoje já não é tão forte e o outro é um ditador
sanguinário responsável pela morte de centenas de milhares e sem nenhum pudor
para manter-se no poder.
O acordo de certa forma legitima o governo de Assad, colocando suas ações no mesmo patamar das da oposição. O ditador está prestes a
tomar Aleppo, segunda cidade do país e até pouco controlada pelos rebeldes, e
não há indícios de que o resolvido em Munique o fará recuar.
Por isso, o mais importante é a questão humanitária.
O presidente sírio já demonstrou ao longo dos quase cinco anos de guerra civil
que para manter-se no poder não terá os menores escrúpulos, seja para isolar
uma cidade inteira ou para ordenar ações que matem inocentes. Nos últimos meses
o mundo assistiu incrédulo à situação em Mandaya, onde crianças estavam
morrendo de fome e pessoas tinham como única opção às vezes comerem terra. As
cenas chocaram todos e a pressão internacional fez com que o regime deixasse
que a ajuda chegasse a estes isolados pela guerra. O mesmo ocorre em vários
outros locais da Síria dominados por rebeldes, onde a estratégia de Assad,
condenada no Tribunal Penal Internacional, é isolar populações inteiras.
O acordo prevê que o regime permitirá a entrada de
ajuda nestes lugares (normalmente um pouco de comida, água e remédio para
algumas semanas) e ao menos aliviar um pouco a crise vivida por estas pessoas,
que normalmente não conseguem sequer fugir destas localidades por conta dos
bloqueios. Pouco, mas deve evitar as cenas chocantes por um tempo e poupar
desagrados em jantares de famílias no Ocidente. Melhor que as negociações
frustradas até agora.
Obs: a guerra contra o Daesh segue a mesma.