Projeto, que conta com
braille e língua gestual, poderia ser facilmente implementado no Brasil,
segundo criadora
“Cria pontes entre
línguas e não deixa nenhuma criança para trás”, foi a descrição do comissário
europeu de Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moeda, sobre o EKUI. A
iniciativa prevê a alfabetização de crianças por meio de quatro linguagens:
manuscrita, braille, língua gestual portuguesa e alfabeto fonético
internacional. Sua criadora, Celmira Macedo, afirma que já beneficiou mais de
25 mil pessoas em Portugal desde 2015, e que poderia aplicar seu método no
Brasil apenas com uma adaptação à Libras (Linguagem Brasileira de Sinais).
A sigla EKUI refere-se
a equidade, conhecimento (em inglês, knowledge), universalidade e inclusão. O
principal produto da iniciativa é um baralho com 26 cartas que é utilizado
pelos professores para a alfabetização nas quatro linguagens. A criadora afirma
que o projeto é único no mundo justamente por esta diversidade.
Macedo aponta: “As
barreiras de comunicação existem em vários níveis, por exemplo, quando nascemos
com uma deficiência, ou a adquirimos em um acidente e até mesmo quando saímos
da escola sem aprender a ler ou escrever. ” Um drama pessoal levou a professora
a conhecer de perto os problemas referentes a estas barreiras: “Tive um AVC em
2009, e foi nesta altura que percebi o que é não conseguir me comunicar com o outro.
”
No campo da
reabilitação de pessoas com dificuldades comunicativas o EKUI estima 67% dos
participantes tiveram melhoras na sua comunicação. O projeto já atendeu
diretamente mais de mil alunos, e afirma ter com isso beneficiado pelo menos 25
mil pessoas
O outro âmbito que o
programa trabalha é na prevenção, e Macedo aponta suas ambições: “Vamos ensinar
todas as crianças a falar na língua gestual, conhecer o braille e desenvolver o
fonema. ” A criadora estima que somente em Portugal há 1,5 milhão de
habitantes, como pais e amigos de pessoas com dificuldade na comunicação, que
enfrentam problemas nesta área, o que corresponde a quase 15% da população do
país.
“A formação é de três
horas e capacita o professor a ensinar dentro de sala de aula. E depois fazemos
mentorias, em que técnicos vão às salas uma vez por mês para verificar se o
processo está sendo bem trabalhado e se o professor tem necessidades. ”, afirma
a criadora sobre a iniciativa que já formou 1200 professores e é implementada
em 112 escolas portuguesas.
O projeto é aplicado
no primeiro ciclo português, referente ao ingresso das crianças na escola aos
seis, e que tem duração de quatro anos. Macedo trabalhava com alunos desta
idade quando começou a perceber o problema da comunicação e as possibilidades
de outro método de ensino: “Havia um grupo de crianças especiais, com autismo,
síndrome de down, e outros tipos de deficiências. Uma vez em sala de aula,
estava mostrando as letras para alfabetizar aquelas crianças, e quando mostrei
a língua gestual eles reconheceram. ”
“Depois daquilo tive
quase uma epifania. Montei uma espécie de protótipo deste material, e consegui
reabilitar aquelas crianças. ”, indica a professora. A partir de 2011, Macedo
começou a desenvolver o projeto com apoio de parcerias financeiras, o que
culminou no lançamento do EKUI em abril de 2015.
Em 2016, o projeto
venceu o prêmio Empreendedorismo Social em Portugal, e desde então acumula
reconhecimentos nacionais no ramo. Em evento da comissão europeia sobre
inovação social no fim de novembro, a iniciativa era uma das que mais gerava
repercussões. Além da importância ressaltada pelo comissário Carlos Moeda, a
ministra da presidência portuguesa, Maria Manuel Leitão Marques, elogiou a EKUI
na abertura da reunião, que contou com inovadores sociais de todo o mundo.
Com a repercussão do
EKUI, sua criadora pensa em expandir a iniciativa. A língua portuguesa gestual
é própria do país, mas Macedo não vê grandes dificuldades no processo de
expansão: “Há alguns fonemas diferentes dos nossos, mas a adaptação é muito
simples. Em 15 dias eu consigo fazer uma adaptação para o inglês. Temos de ter
parceiros que queiram entrar neste processo conosco. ” Com o mesmo alfabeto,
uma possível versão brasileira demandaria apenas uma adaptação à Libras.
Tema da redação do
último ENEM, a integração de deficientes auditivos no meio escolar poderia ser
auxiliada com a iniciativa, afirma Macedo: “Há seis anos, em Portugal 70% da
comunidade surda saia da escola sem saber o português. Sabiam a língua materna,
que nesta comunidade é a gestual, mas não sabia escrever nosso português. Neste
aspecto, com o EKUI, estaremos os alfabetizando neste sentido. ”
A professora vê
problemas graves decorrentes desta falta de integração: “Sem ler e escrever,
estas crianças viram adultos que ficam fechados em suas próprias comunidades.”
O alfabeto do EKUI é
vendido por aproximadamente €17, valor que é revertido para expansão da
iniciativa: “A cada caixa vendida, produzimos duas. Uma para a sustentabilidade
do negócio e uma em doação para escolas. ” A iniciativa é co-financiada pelo
programa “Portugal Inovação Social”.
A boa receptividade ao
programa de aprendizado pelos alunos gerou um aspecto positivo que surpreendeu
até mesmo sua criadora: “Por curiosidade, turmas que por norma, aprenderiam o
alfabeto em três meses, tiveram esse tempo reduzido. Como as crianças usam o
gestual e acham muito motivante, quando aprendem uma letra já querem saber a
seguinte. Isto encurta o processo de aprendizagem por um indicador que é a
motivação. ”
Foto: Reprodução