quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Terrorismo: excelente queda, e ainda mais trabalho

O ano de 2017 terminou com uma redução de 46,7% no número de mortos por ataques terroristas frente a 2016. No último ano, 7654 padeceram por esta causa, enquanto foram 14356 no período anterior. Grande parte da queda foi por conta de Grupo Estado Islâmico, ou Daesh, que causou 3321 mortes em 2017, frente a 9340 no ano anterior, uma queda de 65,45%. Apesar disso, grupos como o Talibã e o Al Shabab, este que ganhou notoriedade por conta do maior atentado desde o 11 de setembro, fizeram mais vítimas em 2017 do que no período anterior, e ligam o alerta para 2018.

O ano que se passou marcou em efetivo a queda do autoproclamado califado que o Daesh tentou estabelecer entre a Síria e o Iraque. Com as retomadas de Raqqa e Mossul, suas capitais no primeiro e segundo país respectivamente, o grupo ainda viu áreas importantes em seu poder como a província de Deir ez-Zor serem ocupadas por forças rivais no último ano, deixando seu território restrito a poucas áreas no Levante. Apesar disso, a influência do Daesh na Líbia e na Província do Sinai pouco diminuiu, demonstrando que vácuos de poder podem fazer com que o grupo conquiste territórios. Isso ocorreu em Palmira, que havia sido retomada por forças leais ao exército sírio, e que acabaram voltando às mãos da Daesh. Foi na histórica cidade que o grupo cometeu algumas das maiores destruições ao patrimônio da humanidade. Palmira já foi reconquistada.

No entanto, a guerra contra o Daesh nunca foi habitual. O desmantelamento do califado não deixa de fazer com que o grupo siga relevante, ainda com capacidades operacionais para atacar no Levante e em outras partes do mundo. Um destes alvos pode ser justamente a Rússia, que em 2018 recebe a Copa do Mundo. O país, que sofreu recentemente um atentado no metrô de São Petersburgo, viu muitos de seus nacionais, sobretudo de regiões com grandes populações islâmicas como a Chechênia e Daguestão, rumarem ao Levante para integrar as fileiras do Daesh. Grande parte dos sobreviventes do exército do grupo é composta por estrangeiros, que podem retornar aos seus países de origem no intuito de cometer ataques. Além do terror jihadista, a Rússia também pode ser alvo de grupos nacionalistas, como os partidários da independência chechena, que já atacaram o país em outros tempos, sendo este um dos alertas principais para 2018.

Lisboa recebeu neste ano Boaz Ganor, israelense e uma das principais referências mundiais sobre terrorismo. Ganor foi a principal presença da III Conferência Internacional de Terrorismo, e na ocasião, além de muitos detalhes técnicos preciosos obtidos com anos de trabalho e análise na prevenção de ataques, o israelense apresentou o que chama de fórmula para o terrorismo: motivação x capacidade operacional = atentado.
Nenhum outro país no mundo diminuiu tanto a capacidade operacional de possíveis terroristas nas últimas décadas como Israel. Quando em 2015, alguns analistas acreditavam que os ataques de lobos solitários com atropelamentos haviam sido uma invenção do terror na Europa, Israel já lidava com este estilo de problema há anos, inclusive desenvolvendo soluções efetivas de dissuasão. No entanto, como se sabe, em poucos lugares potenciais terroristas possuem tanta motivação para atacar quanto em território israelense, ou a forças de segurança do país na Palestina ocupada. E 2017, definitivamente, não foi um ano que amenizou tal motivação.

Reduzir a capacidade operacional de grupos terroristas como Daesh, Talibã, Al Shabab, ou Al Qaeda da Península Arábica, com ataques que deixam destruição e vítimas civis pode amenizar uma parte da equação, mas em contrapartida eleva a outra. Matar jihadistas sem atacar o jihadismo é como enxugar gelo, mas com um custo de enorme derramamento de sangue. Quando se lembra ainda que a prevenção ao terrorismo é um eterno embate entre segurança e preservação de liberdades individuais, tem-se uma noção melhor do desafio.
Cheguei à Lisboa um mês depois do atentado em Barcelona. Com muitos portugueses com quem conversei, a sensação de que "somos os próximos” era iminente. E infelizmente, os mesmos, e agora eu, temos muito a temer.

Como dito incessantemente após os atentados em Paris e Barcelona, estes são lugares que celebram a vida, o que terroristas odeiam. Lisboa também é um destes lugares. Para além disso, nos ataques à Espanha os jihadistas falaram na retomada do califado. E de fato, a região de al-Andaluz, tendo Córdoba, na Andaluzia, como capital compreendia a Espanha, mas também Portugal. O país, que cada vez recebe mais turistas e prêmios no ramo, é um alvo que sentiria sensivelmente com um ataque. Vale lembrar que parte deste bom momento vem justamente por conta de pessoas que deixaram visitar o Norte da África com receio do terrorismo. Para além, Portugal é membro da OTAN, e contribui com muitas das missões rechaçadas por jihadistas. A motivação é grande, e não há muito o que se fazer quanto a isso. Cabe reduzir a capacidade operacional.

Neste aspecto, acredito que a capital portuguesa vem fazendo bom trabalho. A melhor prova é disso é quando estou em uma região como a extremamente turística, e, portanto, visada Belém. Costumo perguntar às pessoas se estão a perceber o aparato anti-terrorista que está ali montado. Fico muito feliz com as respostas: “Não.” “O quê?” “Onde?”. Além do nível de policiamento bastante incomum em outras zonas, Belém conta, por exemplo, com blocos de concreto simples, mas que têm capacidade de impedir muitos ataques de possíveis lobos solitários. Segurança, e sem diminuir as liberdades individuais. Ainda assim, vejo muitas falhas e possíveis alvos. No entanto, acredito que poucas cidades do mundo que nunca passaram pela experiência de um ataque terrorista moderno consigam ter um aparato com tamanha segurança. Como exemplo o Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, que reforcei como possível alvo, e elogiei o esquema montado. Haviam também importantes lacunas, que não se verificam uma cidade como Jerusalém ou Nova Iorque.

Tratando sobre terrorismo em 2017, é digno nota sobre o curioso caso de inversão do fenômeno da indignação seletiva durante um dos muitos atentados do Al Shabab. Em outubro, uma ação do grupo, que matou 964 pessoas apenas em 2017, deixou 512 mortos. Na ocasião, muitos nas redes sociais prestaram atenção por pouco mais de uma semana na Somália, e alguns perceberam até mais do que as ações da afiliada local da Al Qaeda, e que é apenas mais uma das diversas milícias que agem no país, falido e em guerra desde 1991. Isso sem citar desastres humanitários próximos, como o de Dadaab, campo de refugiados para pessoas que fogem desta tragédia. Acontece que apenas em um período de dez dias que engloba esta ação, outras 255 pessoas morreram em atentados em locais que permaneceram longe das redes sociais como Kandahar e Maiduguri. Ironicamente, o questionamento da indignação seletiva com à atenção na Somália no #PrayForSomalia, assim como Londres e Paris em outros momentos, ofuscou outras grandes tragédias. Para quem já se acostumou com a incongruência na cobertura de ataques, não surpreende, mas ainda assim, vale o registro.

Para além da grande redução no número de mortos em atentados, 2017 reservou outra excelente notícia. O período foi o mais seguro da história da aviação. "Em 71 anos, foram 3.180 acidentes com voos comerciais, de carga e de passageiros, e 82.412 mortos.", como trouxe reportagem da BBC. É quase o que se morre a cada 2 anos em acidentes de carro, apenas no Brasil. A relação que faço, é que assim como a percepção sobre a segurança na aviação é extremamente irracional, o mesmo ocorre com o terrorismo. Para além de grandes heróis, declarações políticas, e o que tiver grande repercussão em ambos os casos, quem faz a real diferença são trabalhadores sérios, competentes, e que não podem falhar. Eu acrescentaria outra fórmula à do grande especialista israelense: mais Boaz Ganor, menos #PrayFor.


Obs: Todos os números são da plataforma START, referência na área e fundamental para acompanhar o terrorismo com parcimônia e a razoabilidade necessárias. Neste momento, 2018 já registra 13 ataques e 38 mortes. https://storymaps.esri.com/stories/terrorist-attacks/?year=2018

START. Ótimo amigo para quem quer entender o terrorismo além do #PrayFor