quinta-feira, 21 de abril de 2016

Me ajuda a te ajudar

As Colinas de Golã se localizam no nordeste do que hoje é controlado pelo Estado de Israel, e é uma das regiões ocupadas pelos israelenses após a vitória na Guerra dos Seis Dias em 1967. O território passou ao domínio sírio após a criação de Israel no fim da década de 40 e ficou sobre a tutela destes até a guerra de 67. Assim como no caso dos outros territórios, a ONU diz que é ilegal a ocupação israelense, e como na situação envolvendo a Península do Sinai, integrada ao Egito que sofreu intervenção militar dos israelenses após a guerra, Israel negociou a devolução do território, em troca da aceitação da existência do estado. No caso egípcio, deu certo e a solução ganhou um Nobel, no sírio, líderes no poder até hoje, como Netanyahu e os Assad chegaram bem perto de se entenderem, mas o entrave continua.

O parlamento israelense votou favorável em 81 uma resolução que determinava o domínio de Israel sobre as Colinas de Golã, o que foi prontamente rechaçado pela comunidade internacional. Aos olhos do restante do mundo, a ocupação israelense dos territórios após 67 é ilegal, e Israel deve buscar uma solução, assim como ocorreu com os egípcios, para seus problemas na região. No entanto, a Síria, devastada por uma guerra civil, não vê a questão como uma prioridade, além de haver um senso comum de que atualmente a devolução do território colocaria ainda mais em risco a segurança da região. Na Síria lutam três dos maiores inimigos de Israel hoje: Irã, Hezbollah e o Grupo Estado Islâmico. A anexação de Golã ao território sírio seria uma grande oportunidade para os três, declaradamente contra Israel, atacarem os israelenses. É de consenso que a questão seja resolvida após a tragédia síria, menos para Netanyahu e seu Likud.

Após escancarar algo que muitos já desconfiavam: que Israel havia atacado o Hezbollah em território sírio durante a guerra, criando um desgaste com o regime de Assad, que tem no grupo um de seus maiores aliados, o governo de Netanyahu realizou um ato visto como uma afronta, a primeira reunião oficial israelense em Golã desde 1967. Em declarações, Netanyahu indicou que Israel nunca devolverá o território aos sírios, além de citar um plano de colonização, assim como em territórios palestinos, que segundo o primeiro-ministro, já conta com “50 mil judeus e drusos e só vai aumentar”.

Claro que o caso faz parte da estratégia nacionalista do Likud, que segue construindo assentamentos ilegais e se isolando da opinião pública internacional. No entanto, dessa vez, como não poderia deixar de ser, até aliados se manifestaram contra o israelense. A Liga Árabe, que hoje faz uma oposição bem velada a Israel, já que tem como um dos principais membros a Arábia Saudita, parceira pontual dos israelenses, fez uma representação contra o ato. O Egito, desde os anos 80 um dos principais aliados de Israel, também se pronunciou contrário. E é claro, o maior parceiro do Estado de Israel, os EUA, ficaram mais uma vez em uma saia justa, já que apesar de ser contrário ao atual governo sírio, teria enorme desgaste junto á comunidade internacional apoiando uma ação ilegal do ponto de vista da ONU. Preferiu a omissão.

Além dos infinitos inimigos tradicionais dentre os árabes e muçulmanos, hoje Israel tem um inimigo interno que é muito mais perigoso que boa parte destes: seu próprio governo. A opinião pública cada vez se volta mais contra Israel, e a União Europeia, por exemplo, aliada histórica, hoje já acena com movimentos pró-palestinos como o BDS. Defender o Estado de Israel hoje em boa parte das universidades do mundo pode ser quase um atestado de suicídio junto à dita intelectualidade, cada vez mais tomada pelo antissemitismo, refletido de maneira ainda mais forte na comunidade em geral. Os EUA nunca estiveram tão longe dos israelenses, chegando ao ponto de Netanyahu ter melhores relações pessoais com Putin do que com Obama. O governante e seu Likud parecem não ter entendido que as certezas na região mais complexa do mundo tem prazo de validade, o que foi refletido em sua insana campanha contra o acordo nuclear com o Irã, que para eles seria um eterno inimigo norte-americano.

Falando em Putin, o nacionalismo expansionista é uma das principais características que ligam Netanyahu ao russo. No entanto, parece que o israelense não tem a consciência de que não comanda um antigo vasto império que pode agir de acordo com suas intenções e esquecer a comunidade internacional. Netanyahu lidera um país que precisou de amplo apoio global na sua fundação, e principalmente para se sustentar contra os inimigos durante os 67 anos de sua história. E é fundamental entender isso para continuar existindo.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

O Brasil maquiavélico

A autoria da máxima “os fins justificam os meios” por Nicolau Maquiavel é questionada ao longo dos anos, no entanto que as ideias do autor de “O Príncipe” indicam que o resultado final deve ficar acima da moral com que ele foi alcançado é inegável. E em tempos de crise, a sociedade brasileira dá mostras que os pensamentos do antigo filósofo vigoram como leis que regem até hoje.

Sendo ou não ainda, “o país do futebol”, o esporte continua como uma grande mostra social do Brasil. Portanto, é sintomático um jogador da equipe de maior torcida do país, após vencer um campeonato com um gol irregular, declarar em entrevista que “roubado é mais gostoso”, pensamento compartilhado por milhões de pessoas sobre o ocorrido. Este episódio aconteceu na final do Campeonato Carioca, na mesma cidade em que seu outro símbolo, o Carnaval, foi vítima de polêmicas quanto às origens do financiamento da campeã Beija-Flor no ano de 2015. A resposta do principal membro da escola, Neguinho da Beija-Flor foi a de que a contravenção deveria receber agradecimentos. A participação de criminosos relacionados com o "jogo do bicho" na realização do Carnaval Carioca é de conhecimento comum, e muitos a defendem por uma “festa mais bonita”. No caso de 2015, a situação envolvia dinheiro oriundo de uma ditadura africana pouco conhecida no Brasil e o endossamento do regime por parte da escola de samba, o que foi esquecido pouco tempo depois.

Ainda sobre desconhecimento e ditaduras, recentemente foi publicada na revista “Época” uma reportagem sobre o uso de gás lacrimogênio brasileiro de forma letal, na repressão de protestos no regime do Bahrein. A matéria abordava inclusive a morte de um bebê por conta da utilização, além de demonstrar o descaso do fabricante quanto ao destino final de seu produto. A história que pode surpreender muitos causa ainda mais espanto com o grande número de comentários, que questionavam até a ocupação do autor da matéria. Muitos defendiam o fabricante, que “pelo menos estaria gerando emprego”.

E o descaso com a moral e a ética por trás dos objetivos alcançados só tende a aumentar na medida em que o sucesso destes seja mais relevante na vida do brasileiro. Pela manutenção de uma relativa estabilidade social, o clichê de que “bandido bom é bandido morto” ecoa por ruas e programas sensacionalistas quando o assunto abordado é a violência urbana. O resultado é uma sociedade que endossa publicamente uma polícia que é criticada no âmbito internacional por conta do alto número de execuções. Além disso, há o absurdo de analisar uma ação policial com X mortos, sendo X-3 “bandidos” sem julgamento, como um sucesso que infelizmente deixou “algumas vítimas”. O ciclo interminável de violência, com aval social, deixa o Brasil com cerca de 60 mil assassinatos por ano e 32 cidades entre as 50 com maior taxa de homicídio no mundo.

Na política, alguns defensores do atual governo apresentam contra as denúncias e condenações por corrupção os “avanços sociais” conquistados nos últimos anos. Além do fato surreal de contra argumentar crimes por conta das melhorias trazidas por eles à sociedade, algo que poderia, por exemplo, inocentar Pablo Escobar e “Chapo” Guzmán, há uma completa falta de questionamento sobre com base em quê foram conquistados estes avanços. A lista de abordagens que podem ser tomadas é imensa, mas ainda sobre armas no Oriente Médio: o Brasil é o quarto maior exportador de armas de pequeno e médio porte do mundo, e boa parte dessa expansão da indústria bélica ocorreu nos últimos governos. Sem praticamente conhecimento nenhum pela população, o Brasil aumentou quase 200% no último ano a venda de armas para a Arábia Saudita. Boa parte delas é usada na Guerra do Iêmen, iniciada ano passado e que matou milhares de civis. Nosso país exporta inclusive munições recriminadas internacionalmente.

As duas maiores empresas brasileiras privadas, em lucro, são a Vale e a JBS. Mineradoras, agronegócio e alto lucro não costumam ser propriamente grandes parceiros das questões ambientais. Apesar de algumas reduções nos índices de desmatamento, a destruição de biomas brasileiros teve um nível bastante acelerado durante os últimos anos por conta principalmente da expansão do cultivo de soja e da pecuária. Por outro lado, o dano ambiental que a mineração traz em longo prazo para rios e solos é difícil de ser calculado, por ser enorme. O completo desastre de Mariana e suas condenações falam por si só. Mas não é de admirar o descaso ambiental por parte de um governo que teve a frase “o Brasil não pode ficar a serviço de uma perereca” como uma das mais marcantes sobre o meio ambiente.

E quais são as reais intenções e atribuições morais daqueles encarregados por julgarem os escândalos do último governo? O principal juiz é idolatrado no país dos maquiavélicos, e deixa claro em um artigo escrito sobre a “Operação Mãos Limpas” na Itália a importância do Judiciário estar associado aos meios de comunicação e a opinião pública para condenar um esquema de corrupção como a Lava Jato. Isso no Brasil, país no qual a maior rede de comunicação é acusada sistematicamente de ter manipulado um debate presidencial que levou a derrota do ex-presidente investigado, além de a revista de maior circulação no país ser, de forma clara, contrária ao governo.

Não é nenhuma surpresa a opinião pública brasileira se colocar ao lado das investigações que vazaram grampos telefônicos na imprensa. No entanto, o que deve ser questionado de maneira imparcial é a validade deste ato, já que a justiça em um sistema pleno de direito como o brasileiro deve levar em conta mais que o clamor popular, ou provavelmente estaria aplicando a pena de morte. 
É gravíssima a divulgação das escutas telefônicas de um chefe de estado, sendo que esta pode claramente interferir em interesses nacionais. E sendo “petralha”, “coxinha” ou qualquer denominação que a insanidade da atual situação possa gerar, é cabível sim a indagação sobre o que ocorreria se o mesmo fosse feito nos EUA.

É imoral condenar de maneira seletiva os acusados de corrupção. Se o resultado final for “colocar os bandido na cadeia” como praticamente todos queremos, este fica bastante comprometido caso tenha havido interesses políticos e partidários durante as condenações, além de permitir que criminosos fiquem impunes.

Em nenhum lugar do mundo nasce uma classe diferente de seres humanos chamada “políticos” ou “eles”. As lideranças surgem, e refletem de maneira bastante precisa a sociedade que representam. E como é repetido incessantemente que o Brasil vive uma “crise de representação”, esta é uma grande oportunidade para questionar se são somente os governantes que não se importam com os meios pelos quais conseguiram suas posições, ou se “nós” teríamos tanta moral para não distribuirmos alguns ministérios para seguir no comando.

Cada vez mais no mundo há uma diferenciação entre “preço” e “custo”. O “preço” seria aquele aparente ao consumidor final, já o “custo” adiciona tudo aquilo demandado no processo. Ver somente os resultados exclui muitos valores fundamentais, já que um país ético, moralizado, justo, e com desenvolvimento sustentável custa muito caro.