sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Foi bom o acordo para a Síria?

Depende. O acordo em Munique foi feito com uma participação muito pequena da oposição síria, determinando termos muito vagos e evidentemente sem os importantíssimos elementos terroristas, a Al Nusra (Al Qaeda na Síria) e o Daesh (Estado Islâmico). O acerto foi o “fim das hostilidades”, algo muito menos específico do que um cessar-fogo e o principal: definições para a chegada de ajuda humanitária em áreas ocupadas por rebeldes e cercadas pelo regime.

A primeira parte, apesar de parecer muito importante, não é tanto. No mesmo dia em que o resultado das negociações foi anunciado, Assad, de longe o maior causador de mortes no país, deu uma entrevista à agência AFP em que reafirmou o compromisso de recuperar todo o território e que isso poderia custar muito por vários anos. Por outro lado, a oposição mais moderada que concordou com a diminuição das hostilidades hoje é muito enfraquecida, esfacelada entre as mais de 1000 milícias que lutam na Síria e que cada vez perde mais força para os grupos extremistas, tendo a Al Nusra junta a uma grande parcela destas.

Os ataques aéreos russos iniciados no fim de setembro fortaleceram muito o regime, sendo parte importante das ações de retomada de Assad, que agindo por terra com seus aliados conseguiu dar uma guinada a seu favor na guerra. O outro evento que favoreceu o ditador foram os ataques em Paris no 13 de novembro, quando o Ocidente, em parte de maneira mais explícita e outra menos, passou a aceitar o presidente como uma espécie de mal menor, frente aos bárbaros terroristas. Em uma boa analogia com a Segunda Guerra, Assad passou a figurar como um aliado pontual e sanguinário como Stálin, mas contra genocidas como os nazistas e o Daesh.

O fortalecimento do regime levou ao enfraquecimento dos resquícios de uma oposição moderada, hoje em extinção na Síria. Aqueles contrários ao regime passaram então a serem mais extremistas, com uma parte importante aderindo a Al Nusra, outra menor ao Daesh, e com grupos radicalizando suas ações. Por isso a resolução deve ser vista com desconfiança: por um lado quem aceitou hoje já não é tão forte e o outro é um ditador sanguinário responsável pela morte de centenas de milhares e sem nenhum pudor para manter-se no poder.

O acordo de certa forma legitima o governo de Assad, colocando suas ações no mesmo patamar das da oposição. O ditador está prestes a tomar Aleppo, segunda cidade do país e até pouco controlada pelos rebeldes, e não há indícios de que o resolvido em Munique o fará recuar.

Por isso, o mais importante é a questão humanitária. O presidente sírio já demonstrou ao longo dos quase cinco anos de guerra civil que para manter-se no poder não terá os menores escrúpulos, seja para isolar uma cidade inteira ou para ordenar ações que matem inocentes. Nos últimos meses o mundo assistiu incrédulo à situação em Mandaya, onde crianças estavam morrendo de fome e pessoas tinham como única opção às vezes comerem terra. As cenas chocaram todos e a pressão internacional fez com que o regime deixasse que a ajuda chegasse a estes isolados pela guerra. O mesmo ocorre em vários outros locais da Síria dominados por rebeldes, onde a estratégia de Assad, condenada no Tribunal Penal Internacional, é isolar populações inteiras.

O acordo prevê que o regime permitirá a entrada de ajuda nestes lugares (normalmente um pouco de comida, água e remédio para algumas semanas) e ao menos aliviar um pouco a crise vivida por estas pessoas, que normalmente não conseguem sequer fugir destas localidades por conta dos bloqueios. Pouco, mas deve evitar as cenas chocantes por um tempo e poupar desagrados em jantares de famílias no Ocidente. Melhor que as negociações frustradas até agora.

Obs: a guerra contra o Daesh segue a mesma.