sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

#YoSoyLatino

Não tem como ver as imagens dos assassinatos com AK-47 em Paris e não sentir que uma parte da humanidade também morreu em cada tiro. A questão é: como foi comentado sobre as atrocidades na Nigéria nas últimas semanas, não devemos jogar as barbáries que não são filmadas para segundo plano. Iguala, como brilhantemente trouxe a última edição da Piauí, demonstrou que o ser humano sempre pode se superar quando o quesito é aterrorizar a vida alheia.
Iguala não só mostrou o quão cruel pode ser a humanidade, como mostrou que enquanto os olhos do mundo, incluindo os de boa parte da América Latina, estão voltados para execuções que parecem brigar pelo Oscar de melhor produção, o continente que abriga 9% da população mundial, tem 30% dos homicídios de todo o mundo. Enquanto o Estado Islâmico coloca um menino de aproximadamente 10 anos para realizar suas execuções e aparecer o máximo possível, o México é sede do Zetas, o grupo que ostenta a marca de mais decapitações no planeta.
Pouco antes dos ataques ao Charlie, eu conversava com uma senhora simpática e educada que me confessou: “Eu tenho medo do terrorismo islâmico.” Eu respondi: “Eu também tenho, acho que os grupos estão ficando cada vez mais violentos, mas tenho mais medo do que tá acontecendo na América Latina.”“ Como assim?” “O que aconteceu no México, o que acontece sempre no Brasil, a quantidade de gente que ouvimos que morreu por conta do tráfico de drogas.” Falei algumas estatísticas, e ela parece ter entendido a questão. Mas ainda acho que depois do Charlie ela deve estar com problemas para dormir.
A Al Qaeda busca os alvos em que o terror causado por seus ataques será o maior possível. O Estado Islâmico utiliza dos maiores requintes de crueldade possíveis em suas execuções que são reproduzidas no mundo todo. Em Iguala, os narcotraficantes incineraram por horas os corpos (o processo começou com alguns estudantes ainda vivos) na tentativa de esconder ao máximo as atrocidades.
A guerra do terror jihadista é por propaganda. A da América Latina é contra o narcotráfico. A questão levantada em Iguala é: quem luta de qual lado? Quando um prefeito ordena um massacre, movimentando a polícia, o tráfico local, a mídia, fica bem mais difícil entender os lados do conflito. Quando o Capitão Nascimento mostra em Tropa de Elite 2 que o inimigo é quem deveria estar protegendo a população, e que milicianos podem ser até piores que traficantes, fica evidente que nossa luta é mais complicada do que a contra jihadistas ensandecidos.
Isso por que até agora só foi falado sobre os dois países mais ricos em que o problema é latente. Em Honduras (maior taxa de homicídios do mundo), El Salvador, Belize, Nicarágua, são comuns casos em que os conflitos pelo comando do tráfico são mais relevantes para a população do que o governo central. Fica até complicado de chamar de narcoestado, já que o "narco" é mais relevante que o próprio estado.
Enquanto Peña Nieto foi eleito no México pelas propostas apresentadas para modernizações econômicas, as eleições na Colômbia se basearam mais na relação do futuro governo com as FARC do que nas políticas públicas que viriam a ser adotadas por quem fosse eleito. Santos venceu as eleições e aparece nos noticiários internacionais apenas por conta das complicadas negociações com o grupo. Pelo menos não fez como o mexicano que vêm aparecendo por conta de escândalos.
Talvez as propostas liberais para as drogas se mostrem um grande equivoco com o passar dos anos. O fato é que Mujica, FHC e outros líderes menos influentes ao trazerem o tema à tona, fazem um enorme favor a todo o continente. Após o procurador encarregado de responder sobre Iguala declarar: “ya me cansé” sobre a série de dúvidas sobre o caso, os mexicanos passaram a usar a expressão, mas no sentido em que realmente é válido: “ya me cansé” da matança generalizada que ocorre embaixo dos nossos narizes, “ya me cansé” de não saber se devo confiar mais em um traficante ou em uma autoridade. Só depois de protestos dessa grandeza que os maiores afetados ganharam voz e o tema ganhou a devida importância.
Em 2015, teremos reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), com a histórica participação de Cuba após o fim do embargo. A oportunidade de discutir de verdade os problemas do continente se aproxima, resta saber se o discurso vai ficar em uma série de propostas vagas, sem efeito prático mais uma vez, e se Iguala se tornará apenas estatística.
Eu, como todo defensor da democracia liberal, senti que perdemos muito no 7 de janeiro. Mas diferente do que muitos enxergam, acho que perdemos todos os dias quando democracias passam a ser comandadas pelo narcotráfico e matam ferozmente os jovens latinos, sem câmeras ou grandes produções.  #JeSuisCharlie , mas antes, sou apenas um rapaz latino americano.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Promessas de Ano Novo

É só chegar o final do ano pra duas coisas se proliferarem na mesma velocidade: resoluções para o próximo ano e piadas sobre as resoluções para o próximo ano. Todos já fizeram ou pelo menos ouviram os mais mirabolantes planos sobre dietas, academia, beber menos, trabalhar mais e tudo aquilo que dura menos que a queima de fogos logo que janeiro se inicia.
Apesar de realmente se tratar de algo engraçado, minha intenção aqui fica bem longe do humor. O que me preocupa não são amigos com alguns quilos a mais, um pouco menos fortes ou bebendo mais do que gostariam. O que eu quero tratar é de uma promessa que se arrasta pelo ano inteiro, e que enquanto ficar só como resolução para o próximo ano, vai inundar países, alterar completamente o clima global, e se é assim que as coisas causam impacto: pode obrigar todos a racionar o banho depois da academia.
Avanços? Tivemos. Posso escrever este texto tranquilamente, apoiar boa parte das propostas do PV, ser fã do Al Gore, sem ser chamado de “ecochato”. Mas obviamente, como vemos na Cantareira, é pouco. Alguns estudos apontam que se iniciados hoje, projetos fariam com que o Brasil zerasse o desmatamento até 2025. No entanto é fim de ano, mudança no governo, podemos deixar pra começar no ano que vem mais uma vez. No lugar de mudanças, é só eleger um dos principais nomes da bancada ruralista para cuidar do nosso meio ambiente. Kátia Abreu, estamos com você!
Enquanto as ideias que mandarem nos países desenvolvidos forem as de conservadores que acreditam que tudo é absolutamente reversível mediante investimentos; e nos países em desenvolvimento as de progressistas de que se os ricos poluíram tanto, não temos que nos preocupar, realmente Kátias Abreus e Cantareiras não serão exceções. Ouço desde que consigo distinguir as palavras que o tempo está acabando e que só uma mudança radical pode nos salvar. E como para mim o Capitão Planeta é tão real quanto as preocupações ambientais de nossa nova ministra, realmente chegou a hora de agir sem deixar para o próximo ano.
Enquanto o discurso dos defensores do meio ambiente estiver pautado em reduções surreais de consumo que nos levariam aos patamares da Idade Média, e em ideias como a adoção imediata de uma dieta global baseada em insetos; no lugar de discussões como a proibição do financiamento privado de campanha por empresas com interesses contrários aos do bem estar geral, e a adoção de energias limpas, nossas chances de reverter os problemas serão iguais as de um frequentador de academia por três dias reverter seu peso.
Enquanto desenvolvimento sustentável for uma série de propostas vagas de algumas candidaturas e não uma pauta necessária a todos os governos; enquanto ecologicamente correto não for sinônimo de politicamente correto; enquanto não enxergamos a cotidiana falta d’água como resultado da destruição da longínqua Amazônia, vai continuar muito difícil desejar um feliz ano novo de verdade.
Mas vamos lá, vou encarnar Augusto Cury por algumas linhas: não deixe suas resoluções para depois, faça logo que puder. Largue tudo àquilo que não lhe faz bem, não importa o quanto isso pode ir contra o interesse dos outros. Não trace objetivos que pareçam impossíveis, separe-os em parte menores e aprecie o resultado em longo prazo. Estes são os votos da equipe do Vale do Paraibuna Connection a todos os governos, leitores e amigos. Um feliz 2015.

Obs: Não sei quais efeitos no clima tem a Ecobier, mas meu bolso vem agradecendo essa cerveja que não é ruim, e é Eco.