quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Como saber as capitais mundiais foi útil para mim

Saber todas as capitais do mundo para mim sempre foi um objetivo, mas não imaginava que o conhecimento pudesse ir além de um hobbie. Com o tempo, vieram algumas divertidas competições e os clássicos desafios na escola em que os amigos se juntavam para testar até onde chegava aquilo. Não pensava que algo hoje resolvido com uma pesquisa de dez segundos em um smartphone chegasse a ter alguma relevância.


Até então, meu contato com estrangeiros se resumia a alguns países bem conhecidos. Realmente, não há muito valor em começar uma conversa perguntando a um argentino se o mesmo era natural de Buenos Aires, ou a um espanhol se este vinha de Madri. Mas em alguns casos, e não são poucos, isso pode mudar tudo.


Entrevistei nesta segunda-feira Gérard Niyondiko, criador de um sabonete que serve como repelente à malária em Burkina Faso, país localizado no Centro-Oeste da África. Niyondiko viu morrer seis de seus 12 irmãos por conta da doença, que é a principal causa de mortes em sua região. A importância do produto ser um sabonete, e não, por exemplo, as redes protetoras contra mosquitos, é que o sabão já faz parte da cultura popular, com cerca de 95% das pessoas o utilizando. A expectativa é que sua invenção salve cerca de 100 mil vidas até 2020.


Apesar do enorme feito, Niyondiko começou a conversa em um misto de hesitação e humildade, esta que lhe é característica e torna a figura do jovem químico ainda mais fantástica. Ao entrarmos no centro de imprensa, acanhado, o químico me perguntou se poderíamos realmente estar ali e se desculpou por seu inglês. Então logo perguntei se ele vinha de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, o que gerou certa surpresa, e mudou o rumo da conversa.


Niyondiko me perguntou se eu já havia estado na cidade, e me disse que na verdade ele não era original de Burkina Faso, mas do Burundi, e logo desandou a contar sua brilhante trajetória com muito mais desenvoltura. Na terça-feira, aos nos despedirmos, o já bem menos hesitante inventor me convidou a visitar Ouagadougou, e que quando o fizesse deveria entrar em contato com o mesmo.


Em conversas informais o conhecimento pode ser ainda mais relevante. Uma das primeiras pessoas com quem conversei em Portugal era azeri. Quando a perguntei se vinha de Baku, ela logo exclamou “Oh, mas você conhece Baku. Ninguém aqui sabe o que é.”, e daí começamos a falar sobre a “Terra do Fogo”, alcunha que, confesso, conhecer com grande ajuda do Atlético de Madrid.


Não é aleatório começar uma conversa com alguém original de um país menos relevante no cenário internacional com sua capital. Em um caso como o uruguaio, em que nós no Brasil podemos ter como conhecimento comum que a capital é Montevidéu, a informação não é tão difundida em países mais longínquos. Tendo em vista que a capital tem quase 50% da população do país, concentra grande parte das pessoas com poder aquisitivo para estar no exterior, ou ao menos é um ponto de referência para um cidadão que trabalhou lá, a chance da menção à cidade causar um efeito positivo é grande. No caso de turistas, ao menos pelo aeroporto da capital o mesmo deve passar.


E assim meu conhecimento, que eu mesmo considerava um tanto quanto obsoleto na era dos smartphones, e na qual o Google deu cabo às boas discussões, vem me ajudando. Que a cerveja de 0,5L por € 1 me permite lembrar, assim já foram conversas com pessoas desde a Guiné-Bissau à Eslovênia, indo por Lituânia a Cabo-Verde, dentre outros. Em um mundo de mudanças constantes em que habilidades tornam-se dispensáveis com a invenção de um novo aplicativo, vale sempre refletir sobre o questionamento do poeta norte-americano T.S. Eliot “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”

Gérard, "O Cara". Espero poder ter minhas dicas de Lisboa retribuídas em visita à sua Ouagadougou, que segundo o mesmo, é mais fácil de se chegar do que eu pensava. (FASO SOAP)