terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Onde o Sol se põe

Magreb em árabe é o nome da última das cinco orações diárias que todo muçulmano deve fazer, portanto a do pôr do sol. E é também a denominação dada ao noroeste da África, região que contempla Marrocos, Argélia, Saara Ocidental, Tunísia, Líbia e a Mauritânia. O nome deriva exatamente da ideia de que ali seria o último lugar onde o sol se poria dentro do Império Árabe que possuía vastas extensões desde sua origem na Península Arábica até a Península Ibérica.

A história que vou contar aqui se refere exatamente ao último país citado, a Mauritânia, mas há práticas nesse lugar que remontam aos tempos do califado. Última nação a abolir a escravidão no mundo, apenas em 1981, a prática só se tornou crime no ano de 2007. Ainda assim, como não faltam exemplos, inclusive nosso próprio país, o simples fato de proibir não indica necessariamente que mais ninguém será escravizado no local. Além disso, as fraturas sociais criadas entre aqueles que mantinham seres humanos como posse e seus subordinados são dificílimas de serem rompidas, o que também é verificado em diversos lugares.

Sendo assim, 40% da população da Mauritânia, composta por negros, tem uma importante parcela deste grupo ainda servindo como escravos, evidentemente de uma pequena parte, da maioria árabe-berbere, como de maneira simplificada são chamados os brancos naquela região. Estimativas indicam que dos 3,5 milhões de habitantes que a Mauritânia possui, de 10 a 20% deles trabalham em regime de escravidão, mesmo que não comprovada por organizações internacionais nas quais esse número é de 4%, de longe o maior no mundo.

Pouquíssimos negros ocupam cargos de comando e as prisões por conta do crime de escravidão são poucas e sequer costumam cumprir a pena mínima de 10 anos estabelecida. Na prática filhos de escravas seguem sendo escravos e o Partido Abolicionista (sim, no século XXI) tem seu líder perseguido e frequentemente preso. O país não é tão pobre em relação às condições de outros no Oeste da África, mas a segregação cria grandes bolsões de pobreza principalmente para os negros.

O sol há de se pôr na Mauritânia e essa prática por pressões internas e externas deve pelo menos ser muito reduzida na próxima década. Mas o que vem disso? Jovens pobres e frustrados em um país com poucas opções, cenário perfeito para a ascensão de grupos radicais que seguem uma versão distorcida do Islã. O vizinho Mali com sua Al Qaeda do Magreb Islâmico e o Boko Haram são grandes exemplos de um futuro que pode aguardar a Mauritânia se nada for feito.

Árabes de uma elite subjugando negros em um regime ditatorial? É o que simplificadamente também explica a terrível guerra civil que o Sudão vem enfrentando há anos, e se nessa década o assunto ficou fora das manchetes, não é porque a situação ficou melhor. É preciso muita ajuda da comunidade internacional para resolver essa delicada situação. Mas enquanto houver escravidão nesse lugar, o mundo nunca pode achar que o sol de fato se pôs no Magreb.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Enfim um Feliz Ano Novo

Fim de ano é uma boa época para se distanciar do cotidiano com suas picuinhas e focar no que realmente importa. Aqui, como no ano passado, vai mais uma vez o assunto que independente de serem sírios, alemães, palestinos, bengaleses ou brasileiros, é o principal na vida de todos: o clima. E dessa vez as coisas animam.

Olhando de qualquer jeito, não dá para ficar muito otimista com as notícias desse ano: boa parte da população e dos candidatos do país mais importante do mundo não acredita no homem como agente que muda o clima; o fato de a economia do maior poluidor do mundo desacelerar levar a um colapso global; Kátia Abreu no Ministério da Agricultura e Pecuária do país com mais florestas no mundo. Mariana. Lama. E por ai vai.

A questão é que cientistas, e o que a imprensa repassa, fazem parte de uma intenção que pode ser denominada no consenso popular como maquiavélica, aqui, sem juízo de valor. Seguindo a ideia depreendida de Nicolau, de que os fins justificariam os meios, a estratégia para sensibilizar a opinião pública e consequentemente seus comandantes é a de criar um futuro sombrio e de caos no imaginário comum. A partir daí, torna-se mais fácil, por exemplo, um acordo como o de Paris, que vai reduzir o crescimento econômico e será mais facilmente digerido.

E por que isso é difícil? Há uma máxima que diz que um populista pensa nas próximas eleições, e um político nas próximas gerações. A questão é que hoje em dia, se alguém não pensar nas próximas eleições nunca será um político, já que não terá sequer o mínimo para financiar sua campanha. E ai, sabemos exatamente que quem vai dar dinheiro para estas campanhas não será um ambientalista, e sim, por exemplo, no Brasil, a maior empresa privada em lucros no país, a JBS, que tem boa parte de seu faturamento relacionada ao agronegócio, e que sabemos, não é o ideal para o clima. Nos EUA? Petroleiras. E que financiam boa parte dos republicanos que dizem não acreditar nas mudanças climáticas.

Mas não é fácil assim. Uma das parcelas mais ricas da população não ia deixar suas fortunas a mercê de um raciocínio pouco complicado. Então começaram a usar a tática dos próprios cientistas contra eles.

Os principais meios de propaganda que afirmam que o homem não causa o aquecimento global fazem o seguinte: usam previsões de cientistas que não se confirmaram e as colocam contra eles. Isso, por exemplo, na população média norte-americana, mais preocupada com sua hipoteca e em pagar a gasolina do seu 4x4, tem um efeito enorme. Daí, o fato de uma parte dos EUA não acreditarem nas mudanças climáticas como causadas pelo homem.

Pesquisas do tipo das que afirmam que o Golfo Pérsico estará inabitável em 2100 e que nesta época países como Tuvalu e as Ilhas Marshall estarão completamente inundados saem a todo instante. Essa máquina de propaganda pega algumas pesquisas de um determinado espaço de tempo, como os anos 2000, e desconstroem aquelas que se confirmaram erradas, desfazendo a credibilidade de uma boa parte da comunidade cientifica. Mas vale lembrar que meteorologistas erram a previsão do tempo para o dia seguinte. Acertar o que acontecerá daqui 15 anos é dificílimo, e um século então?

E para combater essa contrapropaganda, cientistas soltam dados cada vez mais alarmistas, criando um grande ciclo. Se eles estão errados? Complicado. Cabe um grande debate filosófico, mas já aviso, há pessoas usando meios piores para fins pouco altruístas neste exato momento.

Os fatos que temos que ter em conta, e que ai não tem contra argumentação: 2014 foi o ano mais quente já registrado, e tudo indica que 2015 tenha sido ainda mais. De 28 problemas ambientais seriamente analisados em 2014, metade foi constada como causada pelas mudanças climáticas do homem. O El Niño, fenômeno do aquecimento das águas do Pacífico, foi mais forte que o normal e afetou o mundo inteiro. Isso fica a parte de discussões, são fatos científicos que comprovam a importância de uma ação urgente para o clima.

Enfim, a boa notícia é que aqueles que decidem nosso futuro vão cada vez mais entendendo que a questão climática não é um jogo de soma zero, no qual uns ganham e os outros perdem. Isso vinha por muito tempo tomando conta do cenário, já que países em desenvolvimento acreditam que podem poluir mais até atingir um nível estável como o dos desenvolvidos, que poluíram por anos sem restrições. É um argumento importante, mas que deve ser colocado de lado pelo simples fato de que se fracassa um na questão do clima, fracassam todos.

E as soluções na COP21 de Paris foram interessantes. Um acordo firmado por 195 países (Kyoto só tinha 37) indicou que todos devem reduzir suas emissões de tal maneira que a temperatura no fim do século não suba mais do que 1,5 grau, uma redução importante já que nas condições normais, esse aumento seria de 4 graus. E é bom ver que a intenção inicial era de que a meta fosse de 2 graus, mas uma iniciativa liderada pelas Ilhas Marshall, fortemente afetada, colocou todos em uma resolução melhor.

A questão entre desenvolvidos e em desenvolvimento ficou acertada em um fundo anual de 100 bilhões de dólares financiado pelos mais ricos para ajudar os menos favorecidos. A divisão é complicada, mas é o menos importante. O outro dado econômico que leva ao otimismo no ano é a queda no preço do petróleo, a menos de 40 dólares o barril, lembrando que há pouco tempo o produto passava dos 100 dólares, o que em curto prazo pode aumentar a utilização, no entanto a longo beneficia investimento nas energias renováveis.

É o suficiente? De forma alguma. O cenário é tão terrível quanto o que vão plantar? Nem tanto. Mas que venha 2016, com suas notícias ruins na imprensa e com seus avanços valendo, nem que seja por de baixo dos panos.

Obs: Budweiser e Bira, papai faz isso pensando em vocês.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Obrigado? É pouco

Duas vezes já fui enquadrado naquelas discussões que não levam a lugar nenhum, só fortalecem a amizade, mas são ruins de perder igual a uma partida no FIFA com um gol aos 90 minutos. Nas duas o tema era minha idolatria por Rogério Ceni (M1TO), e foram bem parecidas:

-Kibe, o que você vê tanto nesse cara?
-É o maior ídolo do São Paulo, ganhou vários títulos, dedicou a vida ao time.
-Mas Raí, vários outros ganharam até mais títulos, só saíram porque não eram goleiros, ganharam as Copas do Mundo que você valoriza tanto...
-Mas ele é o maior goleiro artilheiro da história, fez algo inédito na posição, revolucionou o modo de defender.
-Ok, mas e se um meia batesse os pênaltis e as faltas? Não dava no mesmo? Por que o goleiro? Só pra ser diferente?
-Mas não é só isso, ele foi totalmente diferente, tem personalidade, motiva o time, é chato quando tem que ser, coloca ACDC no vestiário...
-Eu sou chato, tenho personalidade, motivo as pessoas, e ouço ACDC onde eu estiver.
-Bom (esse é o momento que se o tema fosse política, economia, culinária, moda, ou qualquer outro assunto que dois amigos sem nada pra fazer estiverem a fim de discutir, poderia representar um nocaute). Eu até concordo com alguns pontos, mas...
-Mas o que? Eu quero saber.
-Futebol não é exato, não pode ser só fatos. Você sente e pronto, se eu pensasse tanto antes de torcer eu xingaria o juiz mesmo sabendo que foi falta contra o meu time, e que ele é um profissional absolutamente mal preparado pelas milionárias e corruptas federações que dão salários enormes aos seus membros, mas não dão condição da arbitragem se dedicar exclusivamente ao dever dela? Chamaria alguém que sempre passou dificuldades de mercenário só por aceitar uma proposta ótima do exterior?
-É Kibe, acho que entendi...
-Acha que...
-Não, tá certo, deixa seu ídolo. Mais uma Brahma?

Deixando os porquês a parte, só tenho a agradecer. Agradecer aquele que me inspirou a bater uma falta quando eu achava futebol chato, já que minha habilidade mal me permitia ficar no gol pra completar time. Agradecer por aquela bola, que eu fechei os olhos e chutei de bico, ter entrado e eu sentir pela primeira vez o que era fazer um gol. Agradecer por depois daquilo, ter me tornado um oportunista nato dentro da pequena área, apaixonado por fazer gols e com o futebol como melhor passatempo (oportunista nem tão nato, mas não com menos amor). Agradecer por ter tido alguns dos melhores momentos da minha vida, assim como os grandes amigos, graças ao esporte bretão.


E não sei se agradecer é forte o suficiente para falar da alegria que sinto de torcer pelo gigantesco São Paulo Futebol Clube, graças ao senhor. Os vários momentos felizes que esse clube maravilhoso me proporcionou vão ficar para sempre na minha memória, estando mais ou menos afastado do futebol, que graças ao senhor, M1TO, aprendi a amar.

Não tenho esperança de ver a Libertadores torcendo e me emocionando do mesmo jeito que quando o senhor jogava. Não só por isso, a paixão esfriou e os oito jogos na televisão por semana deram lugar a um máximo de três, acompanhados de leitura sobre o financiamento suspeito de times. Pelo menos vê-lo no gol e lembrar-se das defesas fantásticas ou da minha primeira alegria no futebol não vai dar espaço à indignação com empresários corruptos.

Espero que o senhor saiba, que as palavras de agradecimento que faltam neste momento, podem simplesmente dar espaço a xingamentos assim que o senhor voltar ao São Paulo em outra função. Mas acho que não preciso me preocupar, já que o chato pra caralho, goleiro comum embaixo das traves, velho e acabado sempre deu a volta por cima e para como o maior atleta que eu vi atuar. Obrigado M1TO. Até breve.