quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Lições para o Brasil de uma eleição portuguesa

Não era preciso cruzar o Atlântico e ouvir dos principais jornais para constatar a obviedade: O Brasil não está muito interessado no resultado previsível das eleições autárquicas de Portugal. O pleito, em parte equivalente ao que há no Brasil para as eleições municipais, reforçou o PS no poder, frente a um enfraquecimento do PSD, o que levou o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho a renunciar à liderança do partido. O que isto muda na prática para o resto do mundo? Pouco. Qual o espaço que a notícia leva ao ocorrer no mesmo dia do atentado em Las Vegas e da escalada de violência na Catalunha? Os próprios portugueses, que ainda se dividiam entre o clássico Sporting x Porto, tiveram dificuldades em responder.

Mas o que mais chama a atenção nas eleições autárquicas, para alguém como eu, fica longe das principais manchetes, ou do suntuoso palácio do PS na região central de Lisboa em que acompanhei parte do dia da votação. Fica a, segundo o Google Maps (principal meio de transporte em terras lusitanas), preciso 1 km do palácio em que dezenas de jornalistas aguardavam uma palavra do primeiro-ministro, António Costa, que desembarcou com seu motorista em um carro luxuoso. Na tradicional Padaria do Povo, uma cooperativa regada à Sagres, Superbock, bifanas, pregos e outras deliciosas iguarias portuguesas bem menos divulgadas que o bacalhau, o PURP - Partido Unido dos Reformistas e Aposentados, havia combinado de se encontrar para acompanhar a apuração dos votos.

O PURP foi fundado em 2015, após a reunião de aposentados em um grupo de Facebook. Para angariar as 7 mil assinaturas necessárias, o grupo de senhores foi às ruas, e conseguiu ultrapassar a marca em mais de mil, grande parte destas em ambientes universitários. Hoje o partido, que não tem direito as contribuições de campanha, se sustenta com uma verba de €1 mensal por membro. Para a as autárquicas, o PURP gastou apenas €500, estes para financiar algumas bandeiras e os panfletos.

No total, as campanhas para os 309 municípios portugueses custou €38 milhões. O pleito envolve as câmaras municipais, as assembleias, e as juntas de freguesia. Para se ter um efeito de comparação, um candidato à Prefeitura de São Paulo no ano passado tinha a possibilidade legal de gastar até R$ 44 milhões. Parte importante dos €38 milhões em Portugal foram utilizados em comícios e grandes outdoors pelos maiores partidos. Mas nem por isso menores como PURP, que fez sua campanha com um grupo de cinco ou seis idosos caminhando horas por dia no sol de Lisboa, frequentemente em um calor superior aos 30°, ou o Nós, agremiação um pouco maior e com estratégia semelhante, deixaram de ter seus espaços.

Em comum aos grandes e pequenos partidos, uma palavra me chamou atenção: pragmatismo. Enquanto nas eleições municipais do ano passado no Brasil candidaturas menores expressavam-se em temas fora das alçadas do âmbito municipal, e algumas até mesmo do Estado, como uma luta transnacional contra o capital, em Portugal as propostas centram-se em resolver os problemas do dia-a-dia das pessoas. Neste ano, como não poderia deixar de ser, o grande foco foi a habitação. O boom do turismo vem gerando um problema de gentrificação para os portugueses. Em Porto, do ano passado para cá, o aluguel médio de um quarto aumentou 40%, chegando a €270, situação que é ainda pior em Lisboa. Levando em conta que este é um país com um grande número de jovens ainda desempregados, apesar da recuperação econômica, e em que muito aposentados recebem menos de €500 ao mês, a situação se apresenta como urgente, e muitos já estão sendo obrigados a deixar suas atuais casas. Nesta toada, o Airbnb anunciou que na alta temporada de 2017, com relação a do ano passado, seu número de reservas em Portugal aumentou 52%.

As propostas para habitação foram o principal foco na campanha do Bloco de Esquerda, partido importante, mas minoritário no cenário nacional. As ideias passavam por possíveis soluções realistas, que aceitavam a importância do turismo sem demonizar o mesmo. Dentre estas, está, por exemplo, a limitação no número de alojamentos disponíveis para aluguéis de curta duração em cada junta de freguesia, o que limitaria, em tese, a gentrificação, e diluiria o problema. Confesso não fazer ideia se na prática o plano é bom, mas me parece uma proposta sensata, e que tem seu valor a ser debatido.

Para quem trabalhou com fact-checking na última eleição, poucas propostas são mais frustrantes do que as voltadas à “fomento, desenvolvimento, incentivo”, e as demais generalidades afloradas a cada campanha. Por aqui, as pragmáticas propostas envolvem desde a solução para praças específicas, a demandas muito claras como o investimento em programas sociais delimitados. E isso em todas as esferas, passando pelas juntas de freguesia (que podem representar um bom modelo para o Brasil), até ao cargo máximo da presidência da câmara.

Em Portugal, as agremiações já atendem à tendência global de suplantar o espectro direita-esquerda, e as hierarquizações partidárias. Parte importante das siglas mais novas já não utilizam a nomenclatura de partido, e até mesmo o PAN, que tem, por exemplo, um homônimo mexicano, por aqui representa o “Pessoas, Animais e Natureza”, algo como os “verdes”, comuns na Europa. Estes que, demonstram uma evolução importante frente ao limitado espectro “direita-esquerda”, que toma conta de parte das auto intituladas “discussões” e “polêmicas” no Brasil.

Nem tudo são flores. A participação política por aqui é bastante carente, e os questionamentos à classe são os mesmos do Brasil, e de qualquer outro lugar do mundo: “só pensam neles mesmos”, “não ligam para o povo”, “só aparecem para a eleição”. Na própria Padaria do Povo, o PURP sofreu um revés: as três televisões do local estavam ligadas no clássico Sporting x Porto. O governo chegou até mesmo a tentar impedir que partidas fossem realizadas em dias de votação, visando limitar a abstenção, que foi superior a 50%. Eu logo me rendi ao pragmatismo local, peguei uma Sagres e acompanhei o final do modorrento 0x0.

A bandeira da foto foi pintada pela esposa do Fernando à esquerda, que é brasileira de Porto Alegre. PURP é uma das histórias mais interessantes que encontrei neste país